
Quando nos sentamos na «redacção» da All Wheels Photography para escrever um artigo, existem sempre determinados passos a cumprir, como de um ritual se tratasse. Abrimos a pasta das fotografias editadas, olhamos para as mesmas e apreciamos os detalhes de cada automóvel. Relembramos o dia das fotos de forma a que tudo se torne mais real e mais fácil para escrevermos. Depois colocamos uma música de fundo e abrimos o editor de texto e basicamente, depois disso, é o que podem ler. Contudo, desta vez isso não aconteceu. Desta vez, bastou olhar para o automóvel durante a chegada do mesmo para as palavras começarem a fluir. É esta a emoção e o entusiasmo que um Porsche provoca em nós. E claro, o trabalho desenvolvido neste 911t pelas mãos da Vintage Factor ajuda a essa inspiração no momento da escrita.



Mas vamos recuar uns dias até ao domingo de manhã combinado para conhecermos este 911t e o seu dono. Aproveitámos um raiar do sol bastante interessante para estarmos cedo em Sintra, mais precisamente na saudosa estrada da Rampa de Sintra. A localização não foi escolhida ao acaso, pois foi na década em que este modelo saiu que a marca alemã começou a sua caminhada vitoriosa na área do desporto automóvel. Os 911 invadiram os Rally, provas regionais e de Resistência (aqui com versões derivativas) e as vitórias foram surgindo. Mas não é no palmarés desportivo do 911 que nos queremos focar, é mesmo neste extasiante 911t.



Ainda estávamos a admirar as belíssimas linhas deste coupé quando um vulto conhecido sai do mesmo. O nosso amigo Rúben, proprietário do mítico Lancia Delta Integrale fotografado logo no início do projecto AWP vinha ao volante. Ver uma cara conhecida é sempre uma mais valia para que as fotos se façam de forma tão natural quanto interessante. Depois de alguns minutos de conversa, onde o grande tema foi mesmo as fotos que fizemos ao Lancia Delta, iniciámos a sessão. Não vamos estar com rodeios, fotografar um automóvel clássico não é fácil, mas se o fosse também não teria piada, certo? Os ângulos, as linhas, a mistura de detalhes metálicos com o vidro, os pormenores de época, tudo condiciona a forma como vemos o automóvel e consequentemente, as fotos que lhe tiramos.
Porsche. Já nos passaram alguns pelas mãos, quer em sessões privadas, como o 997 e 997 Turbo S e claro, um dos mais bem sucedidos, o 993; quer em eventos públicos ou semi-privados como os organizados pelo grupo Lehrenkrauscafe e os encontros de clássicos de Sintra, mas sempre que temos um para fotografar, a excitação é igual. Aliás, prova disso é mesmo o facto de darmos por nós parados a fitar a silhueta dos modelos da Porsche; até parece que o tempo pára.



Tempo é algo que parece que não passou neste exemplar em específico. A pintura reluzente e sem qualquer risco ou marcas de lavagem, os cromados impecavelmente polidos, o tablier com o seu material mantido em estado de concurso, enfim, uma verdadeira pérola de Estugarda. Nota-se em alguns locais exteriores a patina da idade, como nos batentes de borracha dos pára-choques ou na zona inferior da grelha de refrigeração do motor mas é isso que dá classe, graça e estilo a um automóvel clássico.


O Porsche 911t surge em 1968 com a designação Touring (daí o T), uma versão de entrada da gama 911, substituindo o 912. Este primeiro modelo possuía um motor 2.000 cc de 110 cavalos, curtos para as possibilidades do chassis da geração 911. Em 1970, deu-se a primeira evolução mecânica. A Porsche optou por aumentar a capacidade do motor em 200 cc e com isso, ganharam 15 cavalos. A potência apesar de pouca, é mais que suficiente para o baixo peso do 911t e que graças a um chassis bem afinado, permitia andamentos vivos, especialmente em estradas como aquelas onde fotografámos este exemplar. O motor atrás do eixo posterior, num automóvel leve e sem ajudas electrónicas acentuava o efeito pêndulo pelo qual os 911 ficaram conhecidos, e conduzi-lo com a «faca nos dentes» era apenas para homens de barba rija. Mas isto são apenas detalhes, pois estar no lugar do condutor deste 911 é tão nostálgico como emblemático e leva-nos a querer conduzir estrada fora, devorar as curvas e rectas das belas estradas da Serra.







E já que falámos um pouco do lugar do condutor e aproveitando que nos encontramos dentro do habitáculo, falemos deste. Como outros clássicos fotografados por nós ou apenas apreciados, há um aroma interessante no ar quando se abre a porta. O tablier aborrachado e os tapetes de tecido juntam-se ao bálsamo da gasolina numa panóplia de fragrâncias tão típicas quanto agradáveis. Paramos as fotografias para apreciar o típico tablier Porsche, com os vários mostradores de temperatura, velocímetro, relógio, entre outros. Sentados nos bancos em pele (os originais estão a aguardar para serem montados neste 911t), percebemos o conceito de desportivo do «antigamente». Não são precisos cintos de quatro pontos ou ecrãs com definições de suspensão ou modos de condução para se ser feliz, basta ter uma bela peça da história automóvel como este 911t.
Enquanto nos sentimos invadidos pelas memórias antigas, algo que acontece que ainda aumenta mais essa sensação: música. Sim, o rádio ligado interrompe o chilrear das aves endémicas da Serra de Sintra com um tema tão antigo quanto épico: o tema dos filmes James Bond. Se já nos sentíamos especiais perante este 911t, o facto de estarmos a fotografar o interior deste com tal banda sonora tornou o nosso dia memorável.





Saímos do habitáculo e aceitamos de imediato a boleia para um local mais à frente na estrada onde nos encontramos. Tempo para experimentar o excelente chassis deste Porsche. E realmente, «excelente» é uma ótima palavra para descrever este automóvel e o seu comportamento em estrada. Incrivelmente, para um veículo com praticamente 50 anos, o conforto a bordo é irrepreensível e os buracos quase não se sentem. Silenciamos o rádio da época para podermos ouvir com atenção o matraquear tão típico destes motores arrefecidos a ar e o som metálico das mudanças a engrenar que ecoam pelas árvores altas que ladeiam a estrada por onde circulamos.



E num novo local, saímos e aproveitamos a excelente luz da manhã para mais algumas fotos. As óticas redondas, tipicamente Porsche, preenchem tão bem a frente do 911t, juntamente com os piscas e a engraçada e pequena grelha ao lado destes. No centro do capot, não falha a presença do emblema de Estugarda, polido na perfeição. As bonitas jantes Fuchs dispensam apresentações e combinam na perfeição com as riscas laterais com a inscrição «Porsche» e sejamos sinceros, não encontraríamos melhor conjunto de jantes para este 911t. Na traseira, o destaque vai para a tampa do motor, que ainda hoje se mantém no design do modelo (claro, com bastantes alterações) e que alberga o logo que designa esta versão. E claro, não nos podemos esquecer do espelho retrovisor único do lado do condutor, que contribui para um charme inimitável.


Não nos conseguimos cansar deste 911t, mesmo. Corremos riscos de repetir as fotos até, mas não nos importamos. Este Porsche é um verdadeiro clássico, um automóvel que nos entrega emoções até parado e que nos deixa sem fôlego só de olhar para ele. O tempo foge entre cada click e é tempo de nos despedirmos do Rúben e do excelente exemplar que ele nos mostrou, dado que ainda tinha o desfile de carros clássicos em Cascais onde também virou as cabeças e chamou à atenção pelo seu excelente estado de conservação. Esperamos em breve voltar a ver este belo 911t e conhecer os veículos com os quais partilha a sua casa.
