Uma questão de tamanho

    Há automóveis que mais do que marcar uma geração, marcam a história automóvel. Todos nós conhecemos o Mini, aquele pequeno carrito endiabrado que fazia as delícias de pequenos e graúdos, que conseguia levar pequenas famílias em viagens pelo país fora e que acima de tudo, criou uma legião de fãs e apreciadores que ainda hoje mantém, cuidam e mimam estes pequenos carros.

Um armazém abandonado e um carro irrequieto. 'Bora?

   Na All Wheels Photography desejávamos ter um Mini para fotografar à muito tempo. Apesar de existirem bastantes, encontrar um em excelentes condições e disponível para uma sessão mostrou-se mais difícil do que esperávamos. Bem, talvez tenhamos alguma culpa no cartório, dado que pretendíamos mais do que um mero Mini. Basicamente, gostávamos de ter no nosso portfólio um Mini em nome, mas grande em história. Apesar de irmos a alguns encontros de clássicos onde não faltavam Mini’s, não encontrávamos aquele modelo até que, num dos encontros, nos deparámos com um fantástico Mini na tão típica cor verde British Racing e nem os autocolantes brancos nas portas para os números faltavam.

    Uns dias mais tarde, em conversa com alguns amigos e depois de uma sessão fotográfica marcada à saudosa Bakkie, descobrimos que o fantástico Mini verde que encontrámos no evento do Sintra Clássicos tem o mesmo dono que a nossa pickup japonesa. Não podíamos estar mais satisfeitos com esta descoberta pois melhor que ter um Mini fantástico para nós, este pertence a um jovem petrolhead que já demonstrou uma enorme paixão por automóveis clássicos, tal como nós gostamos. E antes de falarmos um pouco do Mini enquanto marca, conhecemos um pouco a história do Sérgio e do seu pequeno Mini. Tal como muitos outros donos deste automóvel, ter um Mini na garagem era um sonho, um cumprir de um objectivo especialmente pelo peso histórico e carisma que este carro carrega na sua pequena carroçaria até que em 2009 conseguiu encontrar um Mini que cumpria os requisitos e claro, não lhe escapou. Apesar de estar bem de uma forma global, há sempre algo a fazer num automóvel clássico, especialmente num Mini. Assim, começou uma fase de recuperação e restauro que durou mais de 4 anos, aproveitando no caminho para melhorar muitas peças e detalhes deste pequeno carro. Mas já lá vamos.

   A Mini nasceu nos finais da década de 50, com o principal objectivo de criar um automóvel barato, fiável e útil para pequenas famílias. O seu motor económico e montado transversalmente permitia um espaço interior fenomenal para o pequeno tamanho do carro, pois 80% do chassis estava reservado para os passageiros e bagagens. Da responsabilidade da já extinta BMC (British Motor Corporation), o Mini foi produzido durante 40 anos, mudando a forma como os automóveis foram produzidos, sempre com o habitáculo como principal foco de actuação e desenvolvimento. O desenho inovador do Mini, proveniente da mente brilhante de Sir Alec Issigonis tinha características únicas, além do posicionamento do motor que já falámos antes. O facto das soldaduras e sistemas de abertura das portas serem exteriores ao habitáculo permitia poupar no espaço e na espessura dos pilares, contribuindo também para uma maior habitabilidade a bordo. O desenho do Mini sofreu algumas alterações e evoluções desde o seu nascimento, surgindo o Mark II, Clubman e Mark III, durando até ao início do século XXI. Durante estes anos e evoluções, o Mini conheceu variações, surgindo a carrinha (IMA), uma pick-up e uma «espécie» de buggy, o Mini Moke.

   Claro que falar do Mini e não mencionar o seu palmarés desportivo era como ir a Nürbürgring e não andar na pista! Este pequeno automóvel conseguiu, com base numa versão mais desportiva, o Cooper e depois o Cooper S, vencer o mítico Rally de Monte Carlo em 1964, 1965 e 1967 (e não esquecer que em 1966 o vencedor Mini foi desclassificado por supostas irregularidades nas luzes).

    A história da Mini ficou ainda marcada pelos múltiplos nomes e associações a marcas. Em 1959, assim que saiu, o Mini tinha duas «marcas»: a Austin (Austin Seven, mais tarde Austin Mini) e a Morris (Morris Mini-Minor), sendo que 10 anos depois, o nome Mini ganhou os seus direitos enquanto marca independente, embora por razões económicas em 1980 tenha voltando à chancela Austin e posteriormente Rover. Em 1994 a gigante alemã BMW comprou o grupo Rover e desfez-se desse espólio em 2000, mantendo a tutela do nome Mini, para os modelos que ainda hoje são comercializados. Durante todas estas evoluções e alterações de nome e marca, houve algo que não mudou: o conceito inicial de carro-miniatura. Foi após a crise de petróleo de 1956 que a noção de económico, pequeno e fiável fez mais sentido e a BMC percebeu isso ao ver o sucesso de veículos pequenos provenientes da Alemanha (Isetta e Messerschmitt), com Issigonis a desenhar um objectivo curioso para completar o seu projecto: o seu carro teria de caber dentro de uma caixa com 3m de comprimento por 1,2m de altura e 1,2m de largura sendo que o compartimento para os passageiros deveria ter, no mínimo 1,8m de comprimento. Pode ter sido estranha esta forma de pensar, mas ainda hoje é fácil de entender o sucesso tremendo que teve e a importância para a indústria automóvel desde então.

Ângulos que não esquecemos.

    Analisemos então o pequeno grande Mini. Começando pela peça mais interessante deste automóvel, o motor. Como já referimos anteriormente, um dos principais fenómenos de poupança de espaço foi a forma como o motor foi montado, transversalmente em vez de longitudinalmente como até então, permitindo uma redução de cerca de 30% do comprimento final do automóvel. O pequeno motor, arrefecido a água passava a potência para o eixo dianteiro através de uma caixa de quatro velocidades, curtas mas precisas, projectando o baixo peso deste Mini de curva em curva com um à-vontade surpreendente para a curta distância entre eixos que caracteriza este pequeno carro. Claro que para o pequeno espaço, o motor montado dessa forma não foi a única «invenção» que os designers tiveram de desenvolver. O radiador, por exemplo, está montado longitudinalmente também, do lado esquerdo do motor, arrefecendo o ar proveniente da cava da roda; ideia de génio para poupar espaço, mas criou uma característica pouco positiva destes modelos: aquecerem bastante, dado que o ar que o radiador aspira já passou por baixo do motor e não vem propriamente fresco. Esses problemas foram ultrapassados pelo Sérgio no «nosso» Mini. O pequeno motor 1000 foi substituído pelo 1275 (evoluído depois para um 1293cc – trabalho que o Sérgio agradece a Nuno Afoito a ajuda), contando também com um carburador Webber 45 para maior eficácia e genica. O problema de arrefecimento foi corrigido com um radiador de alumínio de competição que efectivamente foi uma das alterações que mais ajudou a que este Mini ultrapasse os problemas que sempre os marcaram.

    A suspensão de origem do Mini era outra das preciosidades do design e poupança de espaço: ao invés das tradicionais suspensões de lâminas, o Mini usava cones de borracha com um sistema de recuo dinâmico, o que se traduzia num andamento mais saltitão mas também mais crú, contribuindo para o kart-feeling tão típico destes automóveis. Este sistema de suspensão era chamado de Hydrolastic e usava um sistema de fluídos internos que tentava nivelar o chassis corrigindo as irregularidades da estrada (um pouco como o Citröen 2CV, mas nunca chegando ao nível de conforto e eficácia da suspensão do francês). Claro que num restauro e projecto, um dos pontos a corrigir e melhorar é a suspensão e neste caso, isso não fugiu à regra, tendo sido instalados uns amortecedores Gaz reguláveis e um Kit Hilows (ajuste de altura do carro) e que melhoraram (e de que maneira) o comportamento dinâmico deste endiabrado pequenote.

    E já que estamos a falar da forma como o Mini contacta o chão, temos de falar das rodas – jantes e pneus. E até nesta área houve curiosidades. Sir Issigonis trabalhou com a Dunlop de forma a desenharem os pneus ideais para o Mini, pois queria umas jantes pequenas para manter o centro de gravidade baixo e com isso, um bom comportamento dinâmico. As 10 polegadas das jantes de origem parecem minúsculas perante tendo em conta os padrões da actualidade, mas naquela época e para o Mini eram mais que suficientes. O pequeno deste artigo conta com umas típicas Minilite de 12 polegadas de diâmetro e 6 de largura (personalizadas com centros com as iniciais do dono deste projecto), que juntamente com as abas do grupo 5 e o trabalho de chapa para acondicionar as maiores jantes ajudam a compor o aspecto musculado e atamancado do Mini. Atrás das Minilite, esconde-se o upgrade  nos travões, curiosamente provenientes de um dos «adversários» do Mini, o MG Metro, neste caso, a versão Turbo.

   Além das modificações e melhorias já descritas, este MK3 de 1975 conta com outros mimos como a tão conhecida cor British Racing Green completada com «bolas» e riscas brancas (como as versões de competição) e o tampão de gasolina cromado. Na traseira, o grande destaque vai as óticas em cristal e claro, o escape artesanal com dupla saída que dá uma voz deliciosa a este Mini (com pipocas incluídas!).

     O interior também viu grandes melhorias, com um restauro na integra dos bancos, tablier e tejadilho. Os bancos foram estofados em dois tons (preto e castanho) com umas baquets clássicas com laterais reforçadas que se conjugam na perfeição com o tablier Speedwell (réplica) onde encontramos os manómetros da temperatura da água, pressão do óleo e um conta rotações, perfeitamente inseridos no ambiente clássico que se vive a bordo. O volante eKtor de três braços e a manete de velocidades do Cooper conjungam-se na perfeição quando conduzimos rápida e incisivamente este automóvel, transferindo uma excelente leitura do piso e do comportamento do Mini.

   Já quase no fim desta sessão fotográfica, marcada pela «nossa amiga» chuva, sentamo-nos um pouco para descansar e perceber a ligação do Sérgio a este pequeno Mini mas rapidamente a entendemos. Quando se sonha com um automóvel que se vê bastante na estrada e que se gosta bastante, adquiri-lo é apenas uma fase óbvia e obrigatória e no caso do Sérgio, juntar este Mini à sua garagem foi um dos momentos altos da sua vida. Depois do adquirir e dado que havia alguns detalhes a melhorar e recuperar, iniciou um restauro que contou também com as várias alterações e modificações feitas e que em 2014 atingiu o ponto em que está agora. E quando perguntamos ao Sérgio se «já está tudo feito», ele ri-se e responde que um restauro nunca termina (e aqui estende mais um agradecimento, desta vez à Auto Carapau (pelas mãos de Ricardo Ferreiro), especialmente quando se trata de um carro que, felizmente, é usado bastantes vezes. Ressalva ainda que considera este seu automóvel um restauro e não tanto um projecto, razão pelo qual este nosso artigo se encontra na nossa secção de Clássicos.

       Com o fim da sessão, despedimo-nos do Sérgio e da sua cara-metade com um até já, pois como já dizia o provérbio «não há duas sem três» e efectivamente conviver com um casal que respira automóveis e que nutre um grande amor por estes «meios de transporte» é uma recompensa ímpar pelo nosso trabalho e que espelha bem o nosso slogan – Paixão automóvel.