U R U S

    Lamborghini. Sentimos a pressão nos ombros assim que dizemos a palavra, mas nem sabemos bem porquê. Colocamos tanta dedicação num supercarro como num utilitário no que concerne ao nosso trabalho fotográfico, mas não conseguimos evitar umas «borboletas» no estomâgo sempre que vemos o emblema do touro no capot de um automóvel. A diferença óbvia é que este logótipo está uns cm’s acima do solo a mais que o habitual… uns bons cm’s! Este artigo deve ser lido ainda com o feeling de 2021, pois foi quando fomos convidados pela Overlay e pela ReverseLab para irmos fotografar este SUV italiano que veio revolucionar o mercado em 2012, altura em que foi apresentado ao público no Salão de Xangai. Inteligentes os individuos do marketing da marca ao mostrarem as linhas deste «monstro» num dos mercados mais pulsáteis em termos de carros de luxo. Apesar de em 2012 (já foi há 10 anos, imaginam?) o concept ter obtido a aprovação mundial, foi só em 2018 que este Lamborghini de «calças arregaçadas» conheceu o mercado, já na sua versão final.

Travaagem carbocerâmica, claro.

    

       Recuperaram o fôlego? Vamos então continuar. E… questionamos nós, o que acontece quando uma das marcas mais irreverentes do mundo decide fazer um veículo mais familiar, com capacidades de sair do alcatrão sem se envergonhar e claro, subir e descer uns passeios na cidade, se necessário? Isto! O Urus tem irreverência, loucura e abuso em todos os centímetros quadrados da sua extensa área, bastante uns segundos para perceber que é claramente um produto de Sant’Agata Bolognese. Enquanto que no papel este SUV acaba por ser um misto de sensações, entre a utilidade e a extravagância, ao vivo é algo único. Imponente, majestoso e até assustador por vezes, o Urus cumpre com a sua principal função ainda sem sair do estacionamento: faz-se notar e atrai todas as atenções. Imaginem portanto, percorrer o centro de Lisboa a meio de uma tarde de semana, com os vários semáforos a trabalharem em conjunto para nos deterem a cada 100 metros… é um festival de telemóveis no ar, reels do Instagram e tiktoks de carspotters. Felizmente este Urus tem vidros escurecidos e ninguém nos vê a bordo!

     Não nos vemos na AllWheelsPhotography como jornalistas automobilísticos, longe disso. Fazemos o que fazemos por paixão à fotografia e claro, aos automóveis e motas deste mundo mas gostamos sempre de «alinhavar» alguns detalhes quando a nossa experiência é mais do que premir o botão da máquina e neste Urus, a experiência foi… muito interessante. Não, não fomos para estradões testar as aptidões do sistema de tracção integral deste SUV de 2200 quilos mas podemos dizer que em cidade, o peso não se nota, talvez pelo colossal V12 na frente ou pelo tal sistema AWD que ajuda a impelir este Lamborghini rapidamente entre cada paragem. Sem rival aparente e apesar de partilhar muitos dos seus componentes com o Audi Q7, o Bentley Bentayga e o Porsche Cayenne, o Urus vive num mundo à parte, onde a extravagância e o luxo partilham a ribalta com a potência e o conforto. A única questão que fica por responder é se o valor que se pede pelo Urus se justifica quando se consegue adquirir um SQ7 por metade do valor, sensivelmente e claro, se a alma Lamborghini consegue sair do emblema para o comportamento deste SUV.

Os ângulos deste Urus mereceram uma atenção redobrada.

      Não conseguimos evitar de olhar para este Urus e não achar que alguém teve a ousadia de encher o depósito de um Reventon com esteróides e adubo. Talvez essa ideia seja reforçada pela escolha da cor para forrar este Urus, denominada Matte Metallic Charcoal da Avery Dennison, que se assemelha imenso à pintura utilizada pela marca no tal supercarro… e também no Aventador do mesmo tom. Mas além da transformação de amarelo para este cinza acetinado, a Overlay aplicou PPF na frente deste Urus, pintou as jantes, difusor e ponteiras de escape em preto brilhante. Aplicou ainda películas de escurecimento nos vidros, as tais que nos remetem ao anonimato e a ReverseLab tratou da protecção cerâmica e de todo o trabalho de detalhe para que no dia da sessão fotográfica, este Lamborghini brilhasse apesar da sua cor acetinada.

Com um automóve deste nível, a protecção e cuidado são obrigatórios.

      Na realidade e se formos a analisar bem, a Lamborghini é uma marca pequena. Com apenas três modelos atualmente no catálogo e todos eles bastante dispendiosos de adquirir e manter, é estimado que as suas vendas anuais sejam residuais. E isso era um facto antes do Urus, com a marca a vender em média entre 3000 a 4000 unidades a nível mundial. Mas depois de sair o SUV, e aproveitando o boom de modelos deste estilo, sejam eles de marcas mais acessíveis ou high end, a marca italiana viu as suas contas subirem… e bastante, sendo que anualmente e em média, a marca mais que duplicou as suas vendas, sendo grande parte devido ao modelo que aqui vos trazemos. Apesar da Lamborghini não estar em risco de falência, o grupo VAG sempre manteve a realidade bem presente ao frisar que a marca italiana é um mero capricho mas depois do sucesso do Urus e do encaixe financeiro que este modelo representou não só para a marca como para o grupo, a Lamborghini firmou o seu lugar no pódio dos supercarros e do grupo VAG.

     Com várias marcas a construirem modelos deste segmento, como a RollsRoyce e o seu super-luxuoso Culliman, a Bentley com o Bentayga e até a Aston Martin com o DBX, a Lamborghini já anunciou que irá renovar o Urus ou, quem sabe, substituí-lo por um modelo ainda mais potente, de forma a fazer face aos avanços da concorrência, principalmente a que fica para os lados de Maranello, dado que a Ferrari já mostrou o seu Purosangue. Apesar de todas as investidas, o Urus continuará a ser sempre o pioneiro neste campo, destacando-se dos que com ele partilharam os primeiros dias de mercado, como o Cayenne (o primeiro SUV premium) ou o já referido SQ7. Mas já vamos avançados no texto e ainda não entrámos directamente no Urus que aqui vos mostramos… e entraremos no seu habitáculo claro, mas antes vamos explorar um pouco das suas linhas e claro, do seu coração.

      A Lamborghini sempre foi conhecida pelo seu estilo irreverente e por vezes não-consensual. As suas linhas obliquas, antagonistas e arestas pronunciadas ganham no Urus uma nova expressão. E a acompanhar com o estilo, vem um motor pujante mas não, não é o V12 do Aventador nem o V10 do Gallardo, por exemplo. Temos menos dois cilindros que este último mas mantemos a potência, disponibilidade e acima de tudo, o som. A banda sonora deste V8 de 4 litros e 640 cavalos é uma orquestra sinfónica que acompanha uma opera italiana. Somos envolvidos pelo borbulhar a baixas velocidades e depois pelo arrepio que são as rotações mais altas. Apesar do redline deste v8 ser bastante conservador (6800 rpm), o binário é fenomenal e pressiona as nossas costas ao banco em toda a faixa rotacional, desde as 2000 até ao referido redline seja em que velocidade for e em qual das oito velocidades da caixa automática em que o Urus esteja «engatado».

      E como foi andar pelo centro de Lisboa, numa tarde de semana, com um «rinoceronte» de 2,2 toneladas? Surpreendentemente fácil, não só graças ao facto das rodas traseiras virarem também em sentido contrário às da frente cerca de 3 graus (ideal em pequenas manobras; em condução rápida viram para o mesmo lado que as frontais, melhorando a aderência e estabilidade em curva), como também aos modos de condução existentes – Strada, Sport e Corsa, por ordem de aumento de agressividade, digamos – e depois os modos para os aventureiros que queiram sujar os pneus, nomeadamente o Terra, Sabbia e Neve, que além de ajustes importantes na tracção integral deste Urus, sobe a suspensão cerca de 40mm face ao modo Strada (o mais banal e que deve ser utilizado no dia-a-dia). Não se enganem, este Lamborghini não sobe montes como um Range Rover por exemplo, mas consegue negociar estradões com pequenas lombas e até ligeiras subidas e declives com uma surpreendente agilidade e facilidade. Ainda assim, temos neste «nosso» Urus, película de protecção caso haja algum pequeno acidente nestas incursões fora de estrada.

      Além de todas estas tecnologias que melhoram a condução em velocidade, na cidade ou até fora de estrada, existem outros detalhes tecnológicos que facilitam a convivência com este Lamborghini Urus. A suspensão tem um sistema de compensação que permite manter o Urus alinhado com o horizonte em curvas rápidas (sistema ativo de estabilidade) que juntamente com o sistema de tracção e ESP, permite que cada roda funcione independentemente neste sentido, numa estrada com mais imperfeições, compensando os «saltos» impedindo que estes se manifestem a bordo. Basicamente negativa o centro de gravidade, «puxando» o Urus para baixo e trabalha em uníssono com o sistema de vectorização de binário e com o diferencial traseiro ativo e independente, que faz com que o Urus «agache» a traseira a sair rapidamente de uma curva, sem termos um Lamborghini tail-happy.

Todos os sistemas podem ser monitorizados no «comand center» deste Urus.

     Apesar de não ter dado para testar todas as valências deste super-SUV, as horas que passámos com ele deu para nos dar uma amostra do potencial deste Urus. Não somos fãs de SUV’s pelo facto de serem veículos feitos para serem úteis no dia-a-dia e não propriamente obras de arte sobre rodas mas quando chegamos a este patamar, tudo passa a ser relativo. O Urus não foi feito pela sua utilidade ou facilidade de utilização, mas sim pela ostentação de se ter um Lamborghini e principalmente, de poder levar connosco mais três pessoas. É o único modelo da marca de Sant’Agata Bolognese que permite viagens longas em família ou até ir passar férias ao campo, o que torna este Lamborghini o mais versátil da história da marca (sim, houve antes o LM002 mas gastava bidões de gasolina a cada centena de quilómetros derivado a montar o motor V12 do Countach num veículo extremamente pesado).

     Engraçado ver a reacção das pessoas na rua. Os outros condutores olham primeiro com espanto e até receio, pois o Urus principalmente nesta configuração dada pela Overlay assusta quando se encosta à traseira de outros carros. A frente imponente e muito alta associado aos seus «quadris» que ficam ao nível da cintura de um adulto bem constituído e depois a traseira que quase parece uma parede cheia de ângulos e com quatro grandes escapes fazem a apresentação e claro, marcam a passagem. Há os que fotografam, os que fazem o universal thumbs up e os que pedem uma aceleração em seco. Depois há os que nos olham pelo canto do olho, para que não nos apercebamos que nos miram de alto a baixo e que no fundo, sentem um pouco de inveja por não serem eles a bordo deste Lamborghini. E no fundo, é disso que se trata a ostentação, é uma forma de produzir noutros um sentimento de desejo profundo e lascivo e ao mesmo tempo, mostrar capacidade de possessão de algo puramente emocional e sem ponto de racionalidade.

     Mas dentro deste Urus nenhum de nós se importou com isto. Sentados nas poltronas em pele, totalmente eléctricas e a recebermos umas belas massagens, a ouvir uma boa música dos anos 90 que ecoa das Bang & Olufsen enquanto esperamos o sinal verde, é difícil pedir melhor. Bem, claro que quando o trânsito à nossa frente dispersa, tudo isto fica melhor com o som do motor e escapes a sobrepôr-se ao rádio, principalmente quando, nos túneis, baixamos os vidros para melhor ouvir a tal orquestra italiana que falamos mais acima, embora haja quem se queixe do artificialismo do som e dos pops & bangs; nós não nos queixamos! Não falta nada a bordo deste Lamborghini, onde o luxo e o conforto estão de mãos dadas com a tecnologia de navegação e com o infotainment. É realmente um mundo á parte, um mundo em que nós não nos importávamos de viver todos os dias.

Qualidade de som garantido a bordo deste Urus.
É difícil não nos sentirmos atraídos por este portentoso Lamborghini, um SUV vistoso,que encerra nas suas linhas bem mais do que aquilo que se vê.

      Depois de entregue na Overlay, ficamos com um misto de sensações. Por um lado, alívio por estarmos a salvo da «selvajaria» que este Urus pode ter escondida debaixo do pedal direito e a salvo também dos olhares indiscretos de quem nos admirou na via pública. Por outro, sentimos logo que podíamos ter aproveitado mais deste Lamborghini, no sentido de lhe fazer um teste mais aprofundado, o que não foi possível, principalmente por ser um veículo de uso pessoal e claro, apenas conduzido para irmos ao local das fotografias. Fica o desafio a quem tiver um destes exemplares, que nos leve a uns estradões e umas estradas abertas, para vermos do que este Urus é capaz. Depois de editarmos todas as fotos já em casa e de apreciarmos ainda melhor as linhas deste Lamborghini, percebemos que o principal problema dele é mesmo a capacidade que tem de provocar pensamentos de oposição.

     É um Lamborghini, e por isso mesmo, merece uma ovação e até uma vénia. Mas é um SUV e isso é algo contra-natura para a maioria dos petrolheads que nos seguem. Mas depois é o único utilitário que se pode ter da marca do touro… mas ao mesmo tempo, o valor que custa em novo permite-nos ter o melhor dos dois mundos, em dois carros distintos. Podemos adquirir um Range Rover para as aptidões fora-de-estrada (sendo um verdadeiro todo-o-terreno) e um Porsche 911 para umas voltinhas rápidas por estradas de serra. Será então tudo isto um problema ou uma virtude? Ter tudo no mesmo pacote, ainda que nos rotule como snobs ao volante ou aumentar a garagem com dois veículos diferentes e com potencialidades dispares? Não conseguimos decidir… não mesmo!