Samurai R

    Visual agressivo, motor sobrealimentado, espaço para quatro e muito carácter na estrada, foram estes os ingredientes que os engenheiros da Honda prometeram quando finalmente decidiram dar uma versão Type R ao Honda Civic atualmente em comercialização. Depois de muitos boatos, a confirmação da continuação da sigla no pequeno familiar da marca nipónica alegrou os fãs e inclusive mexeu na bolsa de Tóquio na altura, com os valores das acções a subir. Mas não é de economia que gostamos de falar ou escrever aqui. A promessa dada pelos patrões da Honda cumpriu-se e em Março de 2015, o novo Honda Civic Type R era apresentado no Salão de Genebra. Instantaneamente, as reacções fizeram-se ouvir, com algumas críticas à estética excessiva do modelo mas no geral a aceitação foi unânime principalmente por se conhecerem algumas das características do modelo como a potência, modos de condução e detalhes técnicos.

      Sob o slogan «Um carro de corridas para a estrada» a Honda criou expectativa elevada no seio dos seguidores da marca e dos curiosos e claro, em nós. Como sabem, na All Wheels Photography sabemos bem apreciar um bom automóvel, independentemente da marca, versão ou mesmo origem (stock ou alterado) e o Civic Type R chamou-nos à atenção assim que vimos as fotos do anteriormente referido Salão de Genebra. Uns meses mais tarde, rumámos ao Salão Automóvel de Lisboa, na FIL, para avaliarmos de perto o automóvel causador de tanto hype em torno da marca japonesa. Apesar de difícil de alcançar devido aos imensos curiosos que teimavam em não arredar pé do Civic Type R, as nossas primeiras impressões foram positivas, embora não ficássemos fãs a inicio do tal aspecto agressivo e excessivamente «bordado» dos vários componentes aerodinâmicos. Contudo, no final do ano, os modelos encomendados começaram a circular e os primeiros que vimos a circular foi num dos melhores locais para os colocar à prova: o Autódromo do Estoril, e aí, gostámos mais do que vimos.

Agressividade em qualquer ângulo.

       Actualmente na sua quarta geração (chassis FK2), o Type R que vos mostramos neste artigo tem a genética de competição da Honda e o conhecimento que a marca empregou nos últimos 30 anos nos vários ramos do desporto automóvel. A par com o novo NSX, o Type R é um dos mais importantes automóveis da marca japonesa nos últimos 10 anos e surge com o objectivo de voltar a reinar o segmento dos desportivos compactos, entregue nos últimos anos à Renault (Megane RS) e à Volkswagen (Golf GTI e R). Para isso, a marca colocou em teste no famoso Inferno Verde – Nürbürgring, o Civic Type R, conseguindo este um tempo de 7mins e 50 segs, o mesmo que o BMW M3 CSL (E46), o Porsche Carrera S e o Lamborghini Murcielágo (vídeo), apesar das críticas à utilização de componentes de competição no veículo de testes. Foi mais tarde batido pelo arqui-rival Volkswagen Golf GTI Clubsport S em cerca de 39 centésimos de segundo.

A sigla denuncia a raça.

     Mas competições de cronómetro á parte, estamos perante um modelo que vale a pena conhecer melhor e como tal, não descansámos enquanto não conseguimos colocar um à frente das nossas lentes. Ao fim de alguns meses de agendas desencontradas e de tentativas falhadas em combinar a sessão fotográfica, foi numa aberta de sol entre a chuva que naturalmente teima em cair nas últimas semanas que conseguimos registar os ângulos, linhas e curvas deste nipónico. E se valeu a pena a espera! Por onde quer que olhemos, a palavra certa para descrever este Civic é «abusado» mas não no sentido negativo. Abusado em termos de arrojo estético, de ajustes aerodinâmicos, de opções tomadas em alguns detalhes quer no exterior, quer no interior. Por onde quer que comecemos a fotografar, descobrimos mais detalhes “no detalhe”, pequenos pormenores e zonas onde se vê que os designers e técnicos que desenvolveram este automóvel perderam algum tempo.

     Para os fãs dos carros japoneses, a sigla Type R tem significado. Une a velocidade à paixão, o desempenho à unicidade, a exclusividade à performance. Por alguma razão e desde que a Honda começou a produzir automóveis, apenas 4 modelos tenham tido «autorização» para utilizar a sigla: o Integra, o NSX, o Accord e o Civic. E o que têm todos eles em comum, quando usam o badge Type R? Entregam emoção ao volante como nenhum outro. E o FK2 Type R não é excepção. Com um motor de 2 litros sobrealimentado, debita 310 cavalos e impulsiona o Civic até aos 100 km/h em 5,6 segundos (partindo parado), sendo a velocidade máxima de 270 km/h. Contudo e no modelo que aqui vos mostramos, os 310 cavalos pareceram curtos (e eram mesmo, após confirmação em banco de potência) e recorreu-se a uma solução electrónica para «apimentar» ainda mais o motor, obtendo-se 350 cavalos e a capacidade de atingir perto de 300 km/h! Um monstro de 4 rodas, 5 lugares e aptidões familiares que não se nega a levar as crianças à escola ou acompanhar a família às compras e depois, passar no autódromo e secar o depósito da gasolina enquanto ultrapassa veículos que custam mais do dobro do seu valor.

         A utilidade deste veículo vai além do motor que tem e dos tais 5 lugares. O interior bem construído prende a atenção do observador nos lugares da frente. As baquets Recaro em alcântara e tecido oferecem um apoio impressionante em ritmos mais elevados e mesmo em viagens mais longas não são especialmente desconfortáveis. Os cintos em vermelho combinam com os restantes detalhes na mesma cor, como os aros da ventilação, a base do volante, os pespontos das portas e pequenos detalhes como nos tapetes, soleiras e apoio de braço. O tablier é, como habitual na marca, focado em permitir a concentração do condutor, pelo que todos os itens como o rádio (de ecrã HD, com bom apoio táctil e funcionalidades), comandos da climatização e os ecrãs de informação (velocímetro, taquímetro) estão virados ligeiramente para o condutor. E não podíamos falar do interior do Honda Civic sem mencionar uma das características dos Civic: a manete de velocidades curta, subida e «à mão de semear» que no caso do Type R é em alumínio escovado e junto dela, uma placa de numeração única. Por fim, um dos grandes detalhes deste interior é o pequeno botão «R+» à esquerda do conta-rotações, que ao ser premido concentra o dinamismo do Type R, melhorando a resposta do acelerador, direcção e aperfeiçoando a suspensão e até mesmo o «cantar» dos escapes, tornando a experiência a bordo ainda mais entusiasmante e cativante.

            Se a vida a bordo nos bancos da frente é de um excelente nível, nos bancos traseiros perde-se um pouco do encanto. Não se compreende a opção da Honda em não utilizar o mesmo material (alcântara) quer nas forras das portas, quer nos bancos. A não continuidade do interior faz-nos sentir noutro carro e tendo em conta o valor de venda deste veículo, não se justifica o não investimento nesta secção. Apesar deste ponto negativo, existe bastante espaço a bordo na traseira do Civic, com a altura para a cabeça e largura para os ombros num nível aceitável, tal como o espaço para as pernas. Na bagageira, o espaço também vai de encontro aos valores medidos nos restantes modelos concorrentes do mercado, e chega a surpreender tratando-se de um veículo desportivo.

             Com um interior cativante, chamativo e vistoso, fechamos as portas e analisamos o exterior. Bem, não nos vamos repetir sobre os “abusos” em todos os painéis. Existe sim um estudo exaustivo da aerodinâmica e dos componentes necessários para manter este Civic colado ao alcatrão quando viaja a mais de 250 km/h. De perfil o que salta logo à vista é o grande aileron duplo traseiro que é essencial na dinâmica deste Type R, mas que muitos acham grande demais (e menos bonito que os usados nos concepts em que a assinatura luminosa faz sobressair ainda mais a traseira, apesar de se compreender a opção por um desenho mais simples). Além desta peça dinâmica, as grandes jantes negras de 19 polegadas envoltas em pneus 235/35 R19 que escondem os massivos discos ventilados e perfurados da Brembo (no eixo frontal) ajudam a colocar a potência no chão e a travar em segurança para melhor experiência de condução. A suspensão ligeiramente rebaixada perante os Civic «normais» e o reforço do chassis com barras internas é outro detalhe que mostra que os engenheiros da Honda não andaram a brincar quando diziam que é um carro de competição para a estrada. Ainda na lateral, as enormes cavas das rodas são acentuadas por alargamentos sendo na frente completados por uma saída de ar, responsável por remover o ar quente proveniente do rolamento das jantes e dos travões.

       Passando para a frente, mantem-se o aspecto agressivo e vistoso do restante conjunto. O volumoso para-choques ocupa grande parte desta secção, com várias entradas de ar responsáveis pelo arrefecimento do motor e seus componentes derivativos. Com o contraste vermelho/preto mantido, o lip em preto metalizado apresenta uma linha em vinyl vermelho que combina com o emblema da Honda no centro da grelha superior. Os faróis com leds embutidos e iluminação xénon completam aquele que é o cartão de visita deste Type R e que permite facilmente distinguir este de outros Civic mais «banais». Na traseira, a história já é outra! O grande aileron que já mencionámos anteriormente partilha o destaque com o massivo difusor traseiro que envolve as quatro ponteiras, responsáveis pela banda sonora nipónica. Um cantar rouco, de timbre baixo até se carregar no tal botão «R+» no tablier, momento em que passamos de um cantor de baladas para um «rockeiro» de uma qualquer banda de heavy metal. A luz de nevoeiro colocada num plano inferior e central remete-nos para os modelos Honda da Fórmula 1 e é mais um detalhe que não foi descurado no processo de criação deste desportivo.

Apesar de termos o Fk8 no mercado, esta geração continua a atrair as atenções por onde passa.

      Já dissertámos sobre a estética pouco consensual, o interior de duas «caras» e o motor capaz de mover montanhas; resta-nos então andar neste Type R e perceber como todos estes factores se conjugam numa experiência de condução única. Arrancamos do estacionamento onde fizemos alguns dos registos e rumamos em direcção à via rápida que, pela hora do dia em que nos encontrávamos, não permitiu grandes aventuras mas que ainda deu para perceber de que forma o eixo dianteiro consegue lidar com os tais 350 cavalos (deste modelo específico). E surpreendentemente, lida bastante bem! Cada mudança já no redline dá-nos um valente coice nas costas e encosta-nos aos Recaro com alguma violência (e nem íamos com o modo R ligado!). O cantar do escape a ecoar ao longo do habitáculo torna-se um dos principais culpados pelos elevados consumos registados pelos donos deste Type R e acaba por nos viciar e aumentar a vontade de dar a volta maior para chegarmos ao nosso destino. A viagem é, como referido, confortável quanto baste tendo em conta o acerto desportivo deste carro e apesar de não ser veículo de longas viagens, acreditamos que a vontade de percorrer quilómetros num Civic como este seja mais que muita.

          Quando chegamos ao segundo local das fotos para mais umas de despedida, o sol volta a espreitar e a fazer brilhar a bonita cor Vermelho Milano. Os vários transeuntes que passam por nós não evitam alguns comentários positivos e sinais de aprovação, reforçando a ideia que tanto o dono deste Type R como nós já tínhamos previamente: não se passa despercebido ao volante de um Type R FK2. Se a Honda fez bem em produzir este automóvel? Se fez! Mais do que um passo importante no cimentar de um posicionamento no segmento dos familiares compactos, retribui à Honda a fama algo perdida com o anterior Civic Type R FN (que vendeu poucas unidades tendo em conta a versão EP3).

Mesmo a rolar, o estilo permanece intocável: é potente!

           Uma aposta mais que ganha do gigante japonês que mostra mais uma vez ao mundo que sabem o que fazem quando o assunto são carros desportivos. Com re-encontro marcado  despedimo-nos de ambos, com direito a ouvir novamente o cantar do escape e do motor deste Civic, desta vez do lado de fora. E é com esse som em mente que escrevemos este artigo e que vos transmitimos a alma, desportividade e emoção contida em 4,4 metros de carro – parabéns Honda, conseguiram novamente!