
A cultura automóvel é algo único. Sim, demoramos quase quinze minutos para saber como começar este artigo. E sim, não foi fácil, mas bastou abrir a galeria de fotos desta sessão fotográfica para as palavras fluírem de tal forma que custou acompanhar com as mãos no teclado. Exactamente, a cultura automóvel é única, espetacular e fantástica e… bem, já perceberam onde queremos chegar. Hoje em dia, e graças claro às inevitáveis redes sociais, um apaixonado pelos automóveis pode conhecer as várias vertentes dessa paixão e perceber a forma como pode até encaminhar o seu próprio gosto pessoal. Actualmente, há quem goste de carros novos, com o seu aspecto limpo, pintura cuidada, interiores com aroma a novo… depois há os que preferem os clássicos com a patina do tempo, as imperfeições de outros tempos e ainda há os que gostam de algo que surge um pouco da fusão de ambos.



Coincidentemente com a escrita deste artigo, passa na televisão (obrigado Youtube) um dos vídeos que nos fez procurar o projecto que aqui vos mostramos. Os que andam no mundo automóvel certamente que ao verem as primeiras fotografias perceberam rapidamente a inspiração e o caminho seguido pela equipa da Timeless Garage no restauro deste Porsche 911. Tiago Freixo, um fanático pelos bons tempos em que os automóveis tinham alma e coração digamos, fundou a empresa que devolve à estrada os sonhos, os clássicos que além do restauro, são alvos de reinterpretações e personalizações a pedido de clientes ou simplesmente por inspiração no que rodeia atualmente a car scene a nível mundial. Básica e rapidamente se subentende que este 911 denominado de Black Runner «sofreu» (no bom sentido) de uma forte influência norte-americana, mais especificamente de Los Angeles onde vive um dos mais irreverentes fãs da Porsche, Magnus Walker.


Ora bem, este senhor Walker, inglês de origem, americano de vivência, alemão de paixão (pelo menos em termos automobilísticos) desenvolveu a sua paixão pelos automóveis em 1977 (aos 10 anos de idade) e percebeu que a Stuttgart’s finest era o seu automóvel de sonho ao ver, no evento Earl’s Court MotorShow um reluzente 911 Turbo com a decoração da Martini, uma das mais icónicas pinturas ostentadas pelo experiente desportivo alemão. Sheffield na década de 80 não era propriamente o local onde os sonhos automobilísticos de Magnus podiam ser realizados e com o desinteresse na escola e o gosto pelo rock e até pelas bebidas. Aos 17 anos, e perante a iminência de chegar à idade adulta sem prospectos de futuro, a conversa que familiares e amigos tinham era sempre a mesma: «Corta o cabelo, apruma-te e vai arranjar trabalho!». Bem, esse corte de cabelo (como já perceberam) foi sendo adiado.


A cultura automóvel americana sempre atraiu todos nós. Carros potentes, estradas desertas, leis permissivas. Tudo isso é transportado para outros continentes através da televisão, do cinema, das revistas. Essa cultura, regada por gasolina de elevada octanagem e embalada pelo «sonho americano» levou Magnus a embarcar na aventura da sua vida, que começava no Camp America, um acampamento de verão onde os jovens podiam trabalhar e em retorno, conhecer a cultura americana e os seus hábitos. Um avião, vários autocarros e 12 meses depois, Magnus chegava a Los Angeles onde começou à procura de trabalho. Curiosamente, foi o trabalho que veio ter com ele. Após ter comprado umas calças com padrão de crocodilo que não lhe serviam, adaptou-as e alterou-as. Com elas vestidas, entrou numa loja de material punk rock onde o dono, membro da banda Faster Pussycat, se apaixonou pelas calças e lhe deu 25 dólares pelo par e lhe encomendou de imediato mais. Começava assim a carreira de estilista nos EUA.



Esta sua aventura tornou-se séria nos anos seguintes. A premissa de comprar roupa barata, sem graça e de a alterar e personalizar, revendendo-a em locais conceituados e de culto deu-lhe o dinheiro que tanto necessitava e o reconhecimento no seio da moda norte americana. Estrelas como Madonna usaram roupa da Serious Clothing que nos anos noventa se expandiu para todo o país o que aumentou a produção e os custos com a mesma, nomeadamente com os locais que alugava mensalmente. Surgiu assim o famoso armazém, que vemos nas reportagens que Magnus dá, e onde actualmente vive, num apartamento adaptado sob a imensa área de garagem que, convenhamos, é o sonho de qualquer petrolhead.

Ora, já com local fixo para habitar, dinheiro para investir e a paixão latente, em 1992 Magnus compra o seu primeiro Porsche, um 911 de 1974 que lhe permitiu ingressar no Porsche Owners Club, um grupo legalizado de fãs da marca de Estugarda que tal como alguns grupos que conhecemos bem, organizam encontros e track days regularmente.




A paixão pela velocidade, que já lhe tinha causado alguns dissabores (várias multas de excesso de velocidade), era agora transplantada para a pista. Rapidamente adquiriu a licença Clubsport e devido ao seu inato instinto atrás do volante, foi convidado para ser instrutor dessa mesma licença. Apesar do seu negócio de roupa continuar em expansão, era já nos automóveis que Magnus investia. Dezenas de dias de pista por ano gastavam algumas das suas poupanças e desgastavam os carros que possuía para o efeito até que a meio da primeira década do novo milénio resolveu vender esses automóveis, ficar apenas com os Porsche e começar aquilo que trazia em mente no vôo de 10 horas que tinha feito anos antes, a caminho do campo de férias: ter a sua própria coleção privada de 911.





Magnus sempre teve uma forma diferente de ver o mundo. Para ele, tudo pode ser alterado perante as necessidades e gostos pessoais e isso deve ser feito à margem de regras sociais e do habitual «assim é que fica bem». E o que é facto é que o público em geral gosta dessa irreverência, do desigual, do único. As roupas criadas por Magnus e pela sua esposa Karen ganharam o mérito merecido por essa unicidade e possibilidade de personalização e Magnus quis adaptar essa excentricidade aos seus automóveis. Comprar antigo, recuperar e restaurar, sem olhar às convenções criadas pelo mundo Porsche, pelos aficionados da marca e seguidores, era o seu principal passatempo. Inevitavelmente, as redes sociais que entretanto iam surgindo foram dando alguma ajuda e impulsionaram a arte de Magnus à escala mundial.




Esta «marginalização» das regras de recuperação fizeram com que Magnus se intitulasse Urban Outlaw (fora-da-lei urbano, traduzindo à letra). Uma forma de arte urbana na personalização do automóvel, indo contra as tais leis da recuperação da marca alemã, deram a Magnus a importância que hoje tem na cultura automóvel atual. Os seus 911 são conhecidos pela irreverência de estilo, com piscas integrados, jantes largas, pneus sem rasto, pinturas que invocam outros tempos, mas com uma mecânica e atenção ao detalhe irrepreensível. O seu mais conhecido projecto, o 277 (recriado pela Hot Wheels à escala 1/64, por exemplo), ostenta a pintura branca, vermelha e azul como tributo à roupa usada por um dos heróis da juventude de Magnus, Evil Knievel.



Foi em 2012 que a «febre» do Outlaw começou, ao ser filmado um documentário com esse nome, por uma equipa liderada por Tamir Moscovici, outro fanático da Porsche. Dias depois, era revelado esse documentário no festival Sundance e a sua coleção, privada até ao momento, conhecia a ribalta. A vida dos seus Porsches e de Magnus nunca mais seria a mesma. Programas de televisão, entrevistas (inclusive a aparição no programa de automóveis de Jay Leno, um dos mais prestigiados apresentadores de televisão do mundo e também ele um verdadeiro petrolhead), vídeos no Youtube e nas redes sociais, de tudo um pouco… até ao reconhecimento da própria marca, a Porsche que, 35 anos depois da carta que enviou quando tinha 10 anos, o convidou a visitar a fábrica e museu da marca, em Estugarda.



Estas histórias de sucesso inspiram as pessoas um pouco por todo o mundo. Prova disso é as várias reinterpretações dos seus automóveis em vários mercados. Em Portugal tardava surgir algo que validasse as criações de Magnus e as transpusesse para as estradas portuguesas. A Timeless foi vanguardista nessa ideia e pegando na cultura por de trás do ícone que já é o Urban Outlaw, criou o Black Runner com toda a irreverência, atenção ao detalhe e possibilidade de personalização que apenas ali se podem conseguir. A pintura tricolor preta, azul e vermelha deste 911 acentua as formas mais agressivas conseguidas pelas adaptações de vários componentes de outros modelos neste 911. Sem regras, sem «leis», sem guiões, a Timeless pegou no pára-choques do RSR, na tampa do motor do RS, na triplete de cores de competição e criou o Outlaw à maneira portuguesa.

Recuperado em todas as valências, o Black Runner concilia num só automóvel a cultura de Magnus Walker, o gosto do dono do carro e a excentricidade da Timeless Garage, num projecto que apenas tardou por… tardio, mas que efectivamente esperou pela melhor altura para surgir. Uma boa fase para a personalização automóvel, em que mais do que adaptar os carros aos donos, com toques únicos e específicos, pretende criar uma nova página do livro que deve constar em todas as garagens dos fãs de automóveis, o guia de como ter o nosso carro de sonho. Sim, este Black Runner Outlaw impressionou-nos, não tanto pelo seu aspecto diferente dos demais 911, mas pelo facto de conseguir sem qualquer esforço, transmitir a tal cultura americana e em especial o gosto inimitável de Magnus, o inglês perdido no país das oportunidades.

Em nota de agradecimento, e porque é nosso dever fazê-lo e nunca é demais nomear os nomes que realmente interessam, um obrigado ao Filipe da 2255 Car Detail que intercedeu para que este artigo pudesse acontecer e claro, nos permitiu conhecer este fora-da-lei legal que é o Porsche 911 Black Runner.
