Nacional 2

     Como petrolheads que somos estamos sempre á procura de desculpas para passar mais tempo com os nossos carros, seja o simples acto de ir ao fundo da rua buscar o jantar (e vamos ignorar um bocadinho o meio ambiente, os consumos e as emissões aqui) como o ir de férias sem usar uma auto-estrada que seja. Bom, auto-estradas usámos porque estamos sediados em Lisboa e fazer o percurso até Chaves sabendo que temos uma jornada de 739 quilómetros pela frente acaba por pesar na consciência, no tempo e no cansaço de nós.

Em Chaves, é obrigatório o passeio pelas estreitas ruas da cidade, bem como a ponte Trajano.

    O objectivo dos próximos 5 dias estava definido: fazer a já mítica estrada Nacional 2 que percorre Portugal de norte a sul. São 739 quilómetros que atravessam 35 concelhos portugueses e 27 das suas capitais por entre as montanhas, serras, vinhas e vales do norte bem como as planícies e montes do sul. A ideia nasceu de uma conversa entre amigos de trabalho: havia um passaporte elaborado pela Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2, um livrinho de bolso amarelo, que nos inspirava e nos guiava pela estrada para arrecadar carimbos dos vários postos de turismo, museus e camaras municipais das cidades e vilas que a estrada atravessa. Um roteiro de bolso também acompanha o passaporte e ambos podem ser gratuitamente adquiridos num dos postos de turismo ao longo da estrada bem como via pedido por email. Para já os dois livrinhos têm sido gratuitos mas no inicio desta ideia falou-se em vir a custar 1€, valor simbólico.

    A ponte romana de chaves tem quase 1900 anos de idade, construída entre o Séc . I e II, também é conhecida como ponte de Trajano, em honra do imperador romano que governava aquando da sua construção. Hoje é apenas ponte pedonal  mas continua a ser um ex-libris com a sua presença a moderar a vista ribeirinha da cidade flaviense que também inclui varias zonas verdes para o convívio familiar nas tardes quentes de verão.    A zona da vila interior no castelo continua em excelente estado com as suas varandas coloridas a marcar o cenário.  – in Guia Turístico Nacional 2

O nosso guia para esta aventura

     Por entre amigos nossos já tínhamos visto algumas aventuras pela Nacional 2, usando dos mais variados veículos, um dos quais uma vespa amarela muito nossa conhecida, por isso ficou decidido que não esperaríamos mais e tinha chegado a hora de nos fazermos à estrada.

     A partida para Chaves fez-se a um domingo de manhã. As 4h30 de viagem depressa se fazem se usarmos as auto estradas entre Lisboa e a cidade flaviense e ainda chegamos com tempo de sobra para conhecermos um pouco da cidade que faz de casa de partida para a nacional 2. O marco do quilometro 0 tem aqui algum destaque pois está algo demarcado do resto da sinalização. O espaço em volta convida às muitas selfies para marcar o inicio da aventura e a maioria de quem o faz faz-se notar pela presença das suas companheiras de 2 rodas que trazem muito ânimo à cidade, não tivesse quase aí a concentração motard de Faro, mais um motivo para fazer este percurso nesta ocasião.

    Não vamos ser guias turísticos neste artigo e recomendar isto e aquilo ou apresentar cada cidade ao detalhe mas vamos deixar algumas fotos dos sítios onde passámos mais tempo para mostrar o interior do nosso país a quem costuma preferir o litoral ou até outros países quando temos tanto para ver. Para maiores detalhes aconselhamos o mini-guia que pode acompanhar o passaporte da estrada ou até mesmo o livro completo do roteiro.

Vila Pouca de Aguiar, vista do Santuário da Nossa Srª da Conceição, com o nosso companheiro de viagem.

    Saindo de Chaves passamos por Vidago e Pedras Salgadas, pontos de referencia para a origem de algumas Aguas engarrafadas portuguesas após as quais encontramos a nossa primeira paragem oficial:  Vila Pouca de Aguiar. A pequena vila de cerca de 3300 habitantes é rodeada a oeste pelo IP3 (que se pode ver a cortar a serra no horizonte de algumas fotos) e a este pela capela do santuário da Nossa Sra. da Conceição. Aqui podemos ver a panorâmica com a melhor vista da vila.

     Ao quilometro 64 chegamos à capital de distrito e da região de Trás os Montes e Alto Douro: Vila Real. Escolhemos o Museu da Vila Velha para carimbar o nosso passaporte pois o estacionamento por perto facilita a visita e temos um miradouro bem perto. Durante a nossa viagem uma das coisas que nos apercebemos mais foi que nem sempre é facil fazer uma paragem de 15 ou 30 minutos numa vila ou cidade. Os parquimetros infelizmente inundam até os locais mais inesperados e não facilitam as visitas aos centros das cidades. Consegue-se encontrar estacionamento  gratuito “aqui e ali” mas isso normalmente requer uma paragem mais demorada na região. Para conhecer os locais é coisa que não incomoda muito mas para quem está só de passagem pode ser incómodo. Contudo, e no decorrer da viagem, conseguiu-se sempre evitar pagar para parar o carro e muitas vezes bem perto dos postos de turismo e camaras municipais que nos dão as boas vindas.

   Saindo de Vila Real recomendamos aos adeptos das gopros que as instalem agora. A paisagem entra no terreno dos vales recheados de vinhas. O rio que nos acompanha é o Corgo e vai fazê-lo até à Régua onde se junta ao Douro. Chegou a primeira fun zone para quem gosta de curvas! Não são muito apertadas, o piso ainda é relativamente bom e o trajecto está cheio de pontos de paragem para descansar das voltinhas e apreciar a paisagem.

     Passamos por Santa Marta de Penaguião para mais um carimbo e paramos para descansar no Peso da Régua. A praia Fluvial da Rede a escassos 10km’s convida ao almoço junto à água se trouxerem petisco já feito, caso contrário a Régua consegue satisfazer o apetite com os seus vários restaurantes típicos, apenas aconselhamos cuidado com o que bebem aqui pois o percurso a seguir começa a ser mais exigente.

Santa Marta de Penaguião, simpática vila a caminho de Lamego.
Se houver tempo, nada como um passeio pelo Douro com partida na Régua.
Lamego, simpatia e simplicidade de quem nos recebeu.

    Passamos o Km 100 pouco antes da chegada a Lamego. O posto de turismo recebe-nos com boa disposição e com ele um encontro com 4 motards que também estão a fazer o percurso do passaporte. Aqui não podemos deixar de recomendar a estadia mais prolongada apesar da nossa ter sido muito curta mas fica a promessa de na segunda volta demorarmos mais tempo aqui. Seguiu-se Castro Daire onde voltámos a encontrar os 4 motards de antes. Esclarecemos que não andamos a seguir ninguém e depois do carimbo no Quartel dos Bombeiros Voluntários  seguimos viagem até Viseu. Aqui o passaporte indica-nos a visita a S. Pedro do Sul mas para efeitos de percurso pela Nacional 2 achamos que não faz muito sentido sem ser talvez para pernoita. São cerca de 15 kms de desvio que se duplicam se quiserem voltar ao ponto de onde saírem na N2 o que se traduz em cerca de 1h (no mínimo) para ir e voltar com um carimbo no livro, para nós não fez sentido pelo que seguimos em direcção a Viseu.

A belíssima praia fluvial do Reconquinho, em Penacova.

    Em dia de semana e em plena hora de ponta fomos recebidos em Viseu como se estivéssemos em Lisboa. Algumas obras, o trânsito e o facto do parque de estacionamento junto à feira estar reservado para as festas da cidade levou-nos a ter de deixar o carimbo para uma segunda visita. Já tínhamos estado nesta bela cidade noutra ocasião pelo que recomendamos a demora em explorar o que nos oferece.

Os nossos 200 cavalos continuam saudáveis e cheios de vontade de devorar quilómetros.

     Seguiu-se Lamego e Santa Comba Dão. Entre estas duas localidades a N2 quase que se une ao IP3 pelo que é comum confundir as duas estradas. Mesmo com GPS não foi muito fácil seguir o trajecto da nacional e há mesmo uma zona a partir de Santa Comba que só se faz pelo IP3 . À saída de Santa Comba a travessia do Rio Dão faz-se pelo IP3 mas à saída da ponte encontramos a N2 outra vez. Contudo, 8 quilómetros à frente volta a juntar-se ao itinerário principal para voltar a reaparecer na saída para Porto da Raiva/Couço, 12 quilómetros depois e seguindo paralela ao Rio Mondego. Não há qualquer indicação na estrada que isto acontece pelo que foi bastante confuso para a nossa primeira vez. Ficam as dicas. Entre tudo isto, e visto estarmos no meio da confusão, aproveitamos para fazer um desvio até Mortágua para mais um carimbo.

    O dia tinha amanhecido cinzento mas à chegada a Penacova começou a abrir e a mostrar o céu azul. Penacova situa-se no topo de uma colina com vista para o rio Mondego e lá em baixo, a paragem na praia fluvial do Reconquinho é obrigatória e numa visita mais calma é a oportunidade ideal para estender a toalha e contemplar a vista de rio que temos. Caminhos para trekking e BTT existem prontos a serem explorados nas imediações.

Que tal este local para uma pausa nestes dias de calor?

    A estrada volta a ficar interessante para os amantes das curvas e pelo meio de florestas e pequenas vilas passámos em Vila Nova de Poiares em direcção a Góis. Aqui o passaporte guia-nos novamente para um desvio de 15 km’s até Lousã pelo que, novamente, deixámos para uma segunda oportunidade. Góis é conhecida pelo envolvimento com a comunidade motard e à entrada na vila vemos as instalações do clube motard. A vila em si é muito pacata, rodeada por serras densamente povoadas por arvoredo que nos deixa maravilhados. No meio da vila temos a praia fluvial da Peneda cujas aguas pertencem ao Rio Ceira e onde facilmente podemos fazer uma pausa da viagem.

     Com a viagem a aproximar-se de Pedrogão Grande começámos a pensar na tragédia que aqui aconteceu em 2017 e nas condições em que a paisagem se encontraria. Se esperávamos ver montes negros das cinzas fomos surpreendidos pela quantidade de saúde que o município ainda exala. Podemos afirmar que nas imediações da N2 não vimos um único ponto de paisagem queimada. A vila mais uma vez é reinada pela pacatez. Aproveitámos para almoçar num snackbar junto ao jardim central pois o restaurante mais conhecido da zona estava cheio (bom sinal) e, curiosamente, até encontrámos turistas de varias nacionalidades a explorar a vila. À saída da vila encontramos o Rio Zezere e a barragem do Cabril (em cima, à esquerda) onde a vista convida a uma paragem para ser apreciada.

O centro geodésico nacional é uma paragem obrigatória!

    Já de tarde seguimos em direcção à Sertã e pouco depois chegávamos ao centro do país: Vila de Rei. Aqui a paragem obrigatória era o Centro Geodésico onde recebemos o carimbo do Museu de Geodésia ali instalado. A vista é, como se imagina, a 360º e no topo da colina podemos ver uma rosa dos ventos com várias localidades pontos de referencia alinhadas com cada ponto cardeal. Passámos o ponto central da nossa viagem, o km 369 e fomos em direcção à nossa próxima paragem. Mas antes disso recomendamos o pequeno desvio até à praia do Penedo Furado onde encontramos os passadiços com o mesmo nome, uma cascata e um par de miradouros para explorar.  Vale a pena parar aqui para mais uns momentos familiares.

     Seguiu-se  Sardoal onde o Espaço Cá da Terra nos deu as boas vindas para logo rumarmos a Abrantes. Aqui pudemos descansar junto ao Welcome Center da cidade e apreciar um pouco a vista. O reencontro com o Rio Tejo fez-nos querer explorar um pouco dos espaços verdes junto às suas margens para mais uns momentos de descanso. A partir daqui o piso da nacional deteriora-se e muito. Podemos dizer que é um verdadeiro teste às suspensões e pneus dos carros pois o asfalto está muitas vezes laminado e as raízes das árvores que emolduram o percurso muitas vezes penetram o tapete levantando-o e fazendo fracturas no mesmo.

     Ponte de Sôr é um dos pólos aeronáuticos de Portugal e notamos isso quando passamos junto ao aeródromo onde até vimos dois aviões e um helicóptero de combate a incêndios ali estacionados. A zona ribeirinha bem aproveitada também convida à visita.  Passamos a barragem de Montargil (cuja albufeira convida à paragem para ser explorada e onde os veículos todo-o-terreno se sentirão em casa) e seguimos em direcção a Mora onde os pontos de atracção são o Fluviário e o Museu de Megalitismo que oferecem tempos de lazer e cultura (com bilhetes combinados) para quem quiser passar umas horas na região.

    Mais dois desvios. Desta vez um leva-nos até Avis e tem de cerca de 38 kms e outro até Coruche com cerca de 35 kms. Escolhemos o de Coruche para passar a segunda noite e recebermos mais um carimbo.  Esta vila de enraizada tradição tauromáquica faz questão de honrar isso mesmo com os vários monumentos alusivos. Aqui também podemos fazer passeios de balão de ar quente.

Depois da paisagem serpenteante das serras mais a norte, a estrada tornava-se mais recta, mais convidativa ao passeio com velocidade controlada.

    Rumamos em direcção a Montemor-o-Novo e a Alcáçovas onde podemos receber o carimbo de mais um desvio. Desta vez o passaporte levava-nos até Viana do Alentejo mas se passarmos no Paço dos Henriques de Alcáçovas podemos levar o carimbo do km 551. Rumando até à aldeia do Torrão conseguimos mais um carimbo de outro desvio: o de Alcácer do Sal. Antes de chegarmos a Ferreira vimos a placa para a Barragem de Odivelas e fizemos o desvio.

     Ferreira do Alentejo brinda-nos com a capela do Calvário (ou de Santa Maria Madalena) junto ao posto de turismo da vila. Aljustrel e as suas colinas convidam a uma visita mais demorada e aproveitamos para descansar e conhecer a vila alentejana. Para os carimbadores fica a informação que o posto de turismo funciona no primeiro andar da escola primária.

Alcáçovas. Pacata vila com uma tranquilidade ímpar.
Albufeira de Odivelas. Obrigatória a paragem.

         

 

    Com o carimbo do km 619 no passaporte rumamos a Castro Verde para o ultimo do dia. Aproveitamos para mais umas fotos e fechamos o segundo dia da viagem.  Fizemos o desvio até Ourique onde o porco preto é rei e foi aí que pernoitámos.

      O ultimo dia da viagem tinha apenas 3 carimbos para fazer, visto o de Loulé à partida ser um desvio que não nos era favorável e que mais tarde se viria a confirmar. Rumámos em direcção a Almodôvar para o carimbo do km 661 e a partir daqui até S. Brás de Alportel voltaram as curvas. A frequência, o raio de curvatura e as diferencias de alturas nesta parte do trajecto fizeram como que parecesse mais exigente que os troços na zona da Régua. Foi exaustivo mas lá chegamos a S. Brás de Alportel onde após dois dedos de conversa sobre o tempo de viagem nos foi dito, em tom de brincadeira, que “vínhamos a abrir por aí abaixo”.

     Devem ter reparado (ou não) que o nosso ritmo foi algo elevado mas para o objectivo (e orçamento) que tínhamos é bastante aceitável. Conseguiu-se fazer a estrada, cometer erros, conhecer algumas localidades e parar várias vezes durante o trajecto, e isto tudo sem grandes velocidades (mesmo que as intermináveis retas do Alentejo convidem a isso). O ideal para fazer esta viagem são uns 7 dias (ou 5) mas isso depende do tempo e disponibilidade financeira de cada um.

      Tínhamos tempo para irmos até Loulé mas uma consulta ao google maps revelou-se fundamental pois a cidade estava a vermelho escuro em todas as entradas, e ainda não era hora de almoço. Viramo-nos para Faro para chegarmos ao fim da estrada e passearmos pela vila velha.

Altamente virada para turistas (tanto em infraestruturas como em preçários) resolvemos explorar os restaurantes fora da zona ribeirinha para pouparmos uns “cobres” e mesmo assim comermos bem. O marco do km 738 quase passa despercebido no cruzamento entre a Nacional 2 e a Avenida Calouste Gulbenkian em Faro pelo que convém prestar um pouco mais de atenção. Posto isto, o ultimo carimbo, já no Centro Interpretativo do Arco da Vila de faro, trazia o numero 739. Ficámos um pouco mais na cidade para conhecer a zona ribeirinha e ao fim da tarde voltámos a Lisboa.

     Este é o culminar de uma viagem de norte a sul de Portugal. Passámos por montanhas, serras, vales de florestas verdes, cidades, aldeias, prados loiros e planícies. A estrada, apesar de alguns quilómetros em mau estado, está em boas condições de conservação e faz de companhia em momentos em que não se vê nenhum carro ou camião no horizonte. A maior parte do tempo de viagem foi feito sem nenhum carro quer atrás ou à frente e isso dá-nos uma sensação de liberdade e calma que mais nenhuma outra estrada foi capaz de nos transmitir em tão longos quilómetros. Fica a vontade de a voltar a fazer, noutro sentido ou no mesmo, com mais petrolheads no grupo ou em família é uma viagem que tão cedo não se esquece.

    Não vamos fazer contas totais para não assustarmos ninguém (e a nós próprios) mas o que gastámos mais foi, sem surpresas, em combustível e alojamento (porque não recorremos a hostels). Comida arranja-se em qualquer lugar e o máximo que pagámos por uma refeição completa foram 17 euros (em Ourique), o mínimo foram 8 (em Alcáçovas). Dá para recorrerem a take aways e a super mercados que vendam comida já feita, e aí ainda fica mais barato pois locais para parar e desfrutar de uma refeição há aos montes, quer nas vilas quer no caminho. Resta lembrarmos os nossos leitores para respeitarem o meio ambiente e não deixarem os locais por onde passam em pior estado do que quando chegam mas isso fica na consciência de cada um.

     Sem mais nada a acrescentar esperamos que tenham gostado desta pequena aventura. Dos 35 carimbos possíveis conseguimos 28, uns não temos por opção e outros foi por termos chegado a horas em que os estabelecimentos já se encontravam fechados. A opção de seguir o passaporte foi inteiramente pessoal e não é obrigatória para ninguém. Utilizem o guia, se quiserem, para explorarem com mais calma aquilo que mais gostarem. É o que vamos fazer na próxima vez.