Meet your car-hero

     Dizem que nunca devemos conhecer os nossos heróis. Isto é habitualmente utilizado acerca de alguém como um ator conhecido, ou um cantor por exemplo. Mas também se aplica aos automóveis. Nós que já estamos na segunda metade da terceira década de vida, crescemos a alimentar a nossa paixão automóvel com determinados modelos, uns mais importantes que outros, independentemente da marca ou versão. A célebre fase de adolescência com os posters na parede do quarto de um Ferrari F40, de um Lamborghini Countach ou até de um Honda NSX moldou-nos o pensamento e a forma de interpretar o automóvel. Foi com tudo isso que fomos crescendo, com a imagem do automóvel icónico, especial e único. Talvez até tenha sido isso a causa de estarmos hoje aqui a escrever estas linhas. Mas além dos posters, houve também os filmes e videoclips que hoje passam no canal Hollywood ou MGM, VH1 ou na MTV classics e que na «nossa época» eram os êxitos e que figuravam habitualmente determinados automóveis enquanto peças centrais do desenrolar da história.

      E o que é que isso tudo tem a ver com a primeira frase que escrevemos? Temos determinado apreço por certos automóveis e se nos seguem regularmente já sabem disso. A Porsche é uma das marcas com a qual mais nos identificamos e um dos modelos mais especiais e que podemos afirmar que é uma das peças-chave da nossa infância é o 911, nomeadamente os da década de 80 e 90. E conforme já viram nas fotografias que aqui colocamos, este é o derradeiro 911 dos anos 80, o cantar do cisne dos verdadeiros Porsche, da fase de ostentação germânica e do poderio e invasão dos mercados americano e japonês por parte da marca de Estugarda. Como muitos outros modelos, nasceu da necessidade de ter um veículo de homologação para a competição, sendo que em 1975 foram produzidos 400 unidades, o número mínimo para critérios de homologação.

Ancas largas, presença impressionante. Este 930 é uma obra de arte!
O preto espelhado deste 930 brilha, após sair de uma manutenção de protecção cerâmica pela Garagem 87.

      Como em muitos outros, a aceitação do público foi massiva e essas 400 unidades «voaram» das fábricas, obrigando a Porsche a alargar a sua produção, de tal forma que durante 14 anos era possível comprar um 930 Turbo, com variadas especificidades. Foi uma lufada de ar fresco na era da crise dos combustíveis da década de 70, em que a maioria dos fabricantes fugia dos desportivos e se focava em modelos mais pequenos, económicos e sem alma. E a isto muito se deve à utilização do Turbo no (inicialmente) motor de 3 litros, cuja tecnologia se estava a desenvolver deste a produção do 911 2.7 RS que nunca conheceu as maravilhas da potência turbinada devido às restrições de produção, espaço e mecânica. Apesar disso, em competição a marca alemã já utilizava esta técnica deste o final da década de 60 e foi apenas neste 930 que surgiu a utilização em modelos de estrada.

       E de onde vem a designação 930? Basicamente, do motor 3.0 utilizado e que vem do Carrera RS 3.0. Mas este código 930 é interno e servia para diferenciar nas linhas de produção os modelos. A este motor 3.0 a Porsche aplicou o turbo KKK e a tecnologia utilizada no 917 CAN-AM para conseguir debitar 260 cavalos de potência e 330 nm de binário, números curtos para os dias de hoje mas um grande salto perante os modelos Carrera normal. A potência e binário é atingida cerca das 3000 rpm’s e para conduzir este 930 e tirar o melhor partido do motor é preciso aprender a usá-lo. Ao contrário dos modelos recentes, a inércia dos motores Boxer desta é algo que apenas é ultrapassada pelo fulgor do Turbo. É preciso conhecer o desenvolvimento do motor e perceber quando a potência vai surgir pois a curva rotacional não sobe de forma contínua ou crescente. E quando menos esperamos, surge o «coice nas costas» e o som deste 930 transfigura-se e atinge o seu auge. Conduzi-lo no limite é exaustivo devido à sua configuração única de distância entre eixos curta, motor traseiro e ao turbo-lag. A tendência de sobreviragem é acentuada e o risco de acabarmos virados ao contrário está sempre presente, principalmente quando começamos a ganhar confiança. Este 930 é um carro para irmos conhecendo, apreciando, moldando ao nosso interior e principalmente, para respeitar.

     Ao volante deste 930 sentimo-nos quase num filme dos anos 80. Só nos falta o telefone portátil de grandes dimensões e estarmos a ouvir o estado da bolsa de Wall Street no rádio para o full effect. Mesmo pintado em triple black (interior, exterior e jantes pretas), este Porsche parece um iman de olhares. Apesar da viagem ter sido curta entre a Garagem87, nosso parceiro e responsável pela manutenção do brilho que vêm nas fotografias (este 930 voltou à G87 para uma manutenção do detalhe completo realizado há cerca de um ano), foram vários os populares que olharam e pararam nos passeios a mirar-nos até sairmos do seu ângulo de visão. E se conduzirmos um Porsche é algo único, conduzir um modelo Turbo da década de 80 é visceral. A vibração do motor sobe as costas, faz tilintar os sentidos e fixa a nossa atenção. O mundo parece andar mais devagar para apreciar o desfilar orgulhoso deste ícone da marca de Estugarda.

      Essa «luta» da Porsche com a lei das emissões foi vencida pela marca em 1986, com ajustes mecânicos e ligeira diminuição da potência do 930 Turbo, o que fez disparar as vendas nos mercados americano e japonês nos derradeiros anos de comercialização, coincidindo com o lançamento das versões abertas que já referimos. Em 1989 as últimas unidades com a plataforma G-series saíram das fábricas com o ajuste único da transmissão de 5 velocidades Getrag G50, manual e de manuseio mais simpático que a anterior. Estas versões ainda hoje são muito procuradas pelo facto de terem sido produzidas durante menos de um ano e a sua maioria ter sido adquirida por coleccionadores. Os fãs da Porsche tiveram de esperar um pouco mais de 2 anos até voltarem a ver o emblema «Turbo» na traseira de um 911, já na versão 964, mantendo a caixa de 5 velocidades acoplada ao motor 3.3.

       Os 911 sempre foram de certa forma, semelhantes entre si. A evolução deste modelo tem-se mantido até aos dias de hoje. O 992 tem a mesma forma e estilo que o primeiro 911 mas não é por isso que em cada geração os fãs do modelo ficam apaixonados por ele. As pequenas mudanças são sempre acompanhadas por detalhes que mudam por completo a estética, sem comprometer a ideia do 911, um coupé desportivo, de motor traseiro e um som tão típico quanto indiferente a quem aprecia um bom automóvel. O 930 não desiludiu os fãs em termos estéticos, nem mesmo a versão Turbo. Este ostentoso 911 veste roupa larga, com mais 12 cm de largura no eixo traseiro que a versão não turbinada e isso é sensual, do ponto de vista automóvel. Talvez seja por isso que já viram imensas fotografias deste ângulo. Juntamente com esse maior alargamento, temos então a típica whale tail ou tea tray que passou a ser sinónimo de potência nas gerações seguintes (964 e 993, no 996 a tecnologia já permitia um spoiler retrátil).

        Os detalhes específicos desta versão não acabam no que referimos no anterior parágrafo. As zonas inferiores dos pára-choques estão pintados de preto tal como os retrovisores e os puxadores das portas. O emblema Turbo atrás também recebe o tom negro e as molduras dos faróis da frente passam a ter a cor da carroçaria que neste caso, é preto (também). No guarda-lamas traseiro existe uma protecção em vinil preto para proteger a pintura dos alargamentos da projecção de detritos das rodas dianteiras e contamos ainda com os faróis de nevoeiro por baixo do pára-choques frontal. As jantes Fuchs são já uma obrigação nestes modelos e ficam tão bem, especialmente pintadas neste tom negro. A aba cromada e o emblema da marca com tons quentes fazem o contraste certo e dão uma «alegria» ao ar mais soturno deste Porsche.

A classe deste 930 é intemporal. É isso que define um clássico.

     O interior deste Porsche é tipicamente alemão. Monocromático mas eficiente, confortável mas desportivo. O volante não está centrado com os pedais na totalidade o que oferece algum desafio na condução tal como a caixa de velocidades, extremamente errática e difícil de «ler». Talvez seja por não estarmos habituados ao charme deste clássico, mas o desafio de conduzir bem este 930 é bastante elevado, não só pela forma tardia em que a potência é entregue como pela capacidade que tem de nos deixar enfeitiçados ao volante e como tal, menos atentos aos sinais que nos dá para realizarmos uma condução de acordo com o carro que temos em mãos. Claro que tudo isto é ultrapassável pela emoção de conduzirmos um ícone dos nossos tempos de juventude e aquele que foi um dos mais potentes superdesportivos da sua época.

930 Turbo Cabrio. Um verdadeiro caso de perfeição sobre rodas.

      Chegar junto a este 930, abrir a fechadura à mão, sem comandos. Entrar e deslizar para o centro das baquets em pele e colocar a chave na ignição à esquerda do volante como em qualquer outro Porsche, rodar a chave e ouvir o seis cilindros em linha boxer a tremer antes de começar a funcionar. Acelerar um pouco antes de arrancar para ouvir o gorgolejo dos anos 80 e arrancar rumo ao local das fotografias… tudo isto faz parte da experiência de conhecer o nosso ídolo, uma espécie de herói automotivo. E sim, devemos conhecer os nossos heróis, só assim conseguimos compreender a 200% o porquê de termos determinada paixão ou especial apreço por algo ou alguém. Por isso tratem de arranjar coragem para conhecer os vossos heróis e se for o caso de ser um automóvel (ou outro veículo), tratem de o conduzir. Só assim podem consolidar a vossa paixão.