M5 & Bacalhôa, combinação perfeita

     A nossa área de influência é pequena, é certo, mas felizmente temos conseguido chegar onde queremos. Pretendemos, desde o início do projecto, registar em fotografia alguns dos modelos mais influentes da história automóvel e prestar-lhe a devida homenagem através dos artigos que fazemos na All Wheels Photography. E se há modelos que gostamos de dar uma atenção especial, são aqueles que fazem parte do nosso leque de amigos e seguidores pois, obviamente e tratando-se de um projecto que nasceu nas redes sociais, a All Wheels Photography tem o seu grupo de fãs, felizmente.

       Um dos últimos modelos que nos suscitou algum interesse foi um sóbrio mas elegante BMW M5 que apareceu num encontro em que marcamos presença, tratando-se de um modelo que marcou a evolução dos BMW, principalmente dos seus desportivos de topo. Um automóvel familiar, com pretensões (e justificações) desportivas que na época, envergonhava os chamados desportivos puros.

    Antes de avançarmos com o M5 em si, temos, obrigatoriamente, de falar do local; não o custumamos fazer tão efusivamente, mas esta localização merece, não só pela importância económica da região, como pela disponibilidade que demonstraram para nos receber. Como todos os nossos leitores sabem, tentamos sempre escolher o local das fotos para servir apenas de cenário, de forma a não tirar atenção ao automóvel em si. Contudo, desta vez, o destaque vai também para o perímetro envolvente, a Quinta da Bacalhôa, em Azeitão.

    O convite para o Frederico nos mostrar o seu M5 estava feito, mas o local ainda não estava escolhido. Pretendíamos um cenário eclético, único e que tivesse uma ligação com o automóvel ou com o seu dono. Em conversa com o próprio Frederico, este sugeriu o Palácio da Bacalhôa como fundo e obviamente que aceitámos esse convite. Mais do que um cenário, o local histórico serve perfeitamente como adereço quase tão importante como o próprio carro e a oportunidade de utilizar quer o Palácio em si, como as vinhas em seu redor como fundo de fotografia parecia bom demais para ser verdade. Mas sim, foi verdade, e o resultado está à vista.

   A sede da Bacalhôa Vinhos de Portugal localiza-se a cerca de 1km do local onde realizámos as fotos. A Quinta da Bassaqueira contem não só a sede, como a loja de vinhos, adega central e fantásticos jardins com oliveiras imponentes e já históricas. A empresa instalou-se naquele local em 1997, proveniente do Pinhal Novo, com o intuito de se tornar um dos pilares económicos da região vinícula de Setúbal. O espaço em redor do lago existente é povoado por vinhas de castas conhecidas – Syrah, Cabernet Sauvignon e Merlot – e abre para os vários edifícios que completam a estrutura industrial de Azeitão. Muito há para dizer (e escrever) sobre a indústria dos vinhos e a marca Bacalhôa, mas deixemos isso também para um outro artigo.

    Como já referimos, perto da Quinta da Bassaqueira fica o Palácio da Bacalhôa, local histórico que viu a sua primeira vinha ser plantada em 1972 a pedido do então dono da quinta, Thomas Scoville. António Avillez plantou então as castas tintas Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot que encontrar nesta localização as condições ideais para a produção de excelentes vinhos: o terroir certo, com excelentes características e o clima mediterrânico tendencialmente ameno. O aspecto envelhecido do Palácio, rodeado pelas vastas vinhas e pelo ambiente recatado e sossegado ajudam ao clima histórico que pretendemos dar a este artigo. Não tivémos oportunidade de conhecer por dentro o Palácio ou de frequentar uma das fantásticas provas de vinho, mas ficou prometido o nosso regresso a tão eclético local.

Pose e sobriedade.

    Depois das apresentações, o M5. Antes do dia da sessão, e em conversa «virtual» com o dono, já dava para perceber o gosto e o apego que o Frederico tem a este E34. A forma como descreve a história que o levou a adquirir este carro é demasiado boa para ser contada de outra forma se não pelo próprio. Assim, tomámos a liberdade de utilizar um pouco aquilo que o Frederico nos contou. E começa logo bem, com o «amor à primeira vista», quando o proprietário de então foi ao restaurante de família almoçar.

    Conta-nos que o avistou no parque de estacionamento mas que infelizmente não teve muito tempo para o admirar pois havia obrigações profissionais a cumprir. Apesar do trabalho, não parou de pensar no M5 ali estacionado e questionou-se se seria de um dos clientes da quinta e destinado a conhecer o dono, num momento de pausa lá rumou ao parque de estacionamento para tentar perceber de quem era mas já não estava lá. O sonho de ter um M5 E34 desvaneceu-se ali mesmo. Ironia do destino, meses mais tarde, no mesmo local, ouviu um som grave e rouco proveniente de um sistema de escape. Curioso com o autor de tal som, e suspeitando que fosse algum desportivo musculado, Frederico dirigiu-se ao estacionamento e eis que se deparou novamente com aquela máquina infernal, novamente a tentá-lo com as suas linhas desportivas e simultaneamente carregadas de classe e pôde então apreciá-lo finalmente.

Nem parece que tem 315 cavalos debaixo do capot.

    Com o único objectivo de não o voltar a perder, telefonou para a sua mãe a perguntar quem tinha chegado ao restaurante. Depois de saber quem era o dono, e de uma pesquisa rápida pelos sites de classificados automóveis online reparou que havia dois ou três modelos à venda e todos acima dos 14000€ o que no momento em que se encontrava, seria um grande entrave à aquisição deste icónico BMW. Ainda assim, e porque desistir não estava nos planos, Frederico aguardou que o então dono do M5 terminasse a sua refeição para trocar umas palavras com o mesmo sobre o E34 ali estacionado. De sorriso «estúpido estampado na cara» (palavras do Frederico) que não dava para evitar, lá se dirigiu ao BMW e ao tal senhor de idade, seu dono na altura. De extrema simpatia, entregou-lhe as chaves e deu autorização para o ligar e carregar um pouco no acelerador, para ouvir o bonito rugir do motor. 56000 km´s era o que o quadrante marcava, um número estupidamente baixo para um carro de 1989.

   Curioso, Frederico questionou o na altura dono do M5 sobre esse valor, tendo-lhe sido explicado que comprou o carro novo em nome da empresa e que o mesmo apenas servia para o seu motorista ir buscar as netas de Lisboa para Azeitão nas ferias de Verão e pouco mais. Também disse que naquele momento não estava para venda mas que já tinha pensado nisso, uma vez que não utilizava o carro e que estava quase sempre na garagem na quinta dele em Azeitão, além de que era manual e a paciência para esse tipo de caixas de velocidades já era pouca, face à idade que tinha.

     Apesar do pouco uso, o M5 era mantido convenientemente, com todas as revisões em dia, realizadas em centros autorizados e no mesmo mês em que na altura se encontravam, o carro tinha levado pneus novos e tinha a IPO feita.

    E se o negócio deste M5 E34 estava envolto em «sorte». Assim que colocou o antigo carro à venda, Frederico vendeu-o logo e combinou a entrega do mesmo bem longe, no Caramulo. A distância não era problema, o que ele queria mesmo era o dinheiro que lhe iria permitir cumprir um sonho; além do mais, aproveitava a deslocação ao Caramulo (na altura do Espiríto do Caramulo, prova essa que a equipa de competição da qual Frederico faz parte, a ORANGE TEAM). Nesse mesmo dia à noite, voltou para Azeitão com o intuito de tratar do negócio do M5 mas por ser tarde, deixou para o dia seguinte. Mais uma noite em claro a olhar para o relógio…

    

     «Chegar a casa num M5 pela primeira vez é qualquer coisa de especial, principalmente ao saber sabendo que é teu e que era um dos carros de sonho!». Palavras que resumem a ligação do Frederico a este M5. Sentia-se realmente afortunado e com a sensação de ser o dono do mundo e… que rica prenda, dado que na semana seguinte completava 26 anos de idade.

Apesar de desportivo, o M5 não perde a postura de berlina familiar.

     Um bom marco automóvel atingido com apenas um quarto de século de idade. Quando o frenesim passou lá verificou os documentos que estavam no porta-luvas e faltava o manual de revisões, o que o levou a novo contacto telefónico com o agora anterior dono a perguntar onde eram efectuadas as revisões do carro. Confirmado que era na marca, Frederico deslocou-se até ao concessionário BMW onde era assistido e lá de imediato reconheceram o carro, ficando a saber que o mesmo teria na altura perto de 50000€ gastos em revisões, prova que o cuidado com o M5 era realmente importante para o anterior proprietário (que teve de autorizar a BMW a fornecer os dados da anterior manutenção ao Frederico, em formato papel, para confirmar toda a atenção dada a E34).

     Conto de fadas acabado, olhemos para o M5. Conta-nos o Frederico que este BMW está tal e qual saiu da fábrica. Não sofreu qualquer restauro ou intervenções mais a fundo e encontra-se rigorosamente original, algo importante nestes automóveis que aspiram ao reconhecimento do seu estatuto de clássico. Não está perfeito de pintura ou de plásticos, não, mas as pequenas marcas (tão pequenas que tiveram de ser apontadas pelo Frederico para que as vissemos durante a sessão fotográfica) são tão originais quanto ao automóvel e contam-nos a história, o uso e o carisma deste M5. O Frederico gosta de BMW e como tal, pertence ao Clube M Portugal (tem este M5 e um E30 320is) e como tal, foi contactado pela administração desse clube em Junho de 2016 para colocar o seu M5 em exposição no Museu do Caramulo durante 3 meses.  O carácter original, o facto de, segundo informaçoes do Clube coincidentes com o MRegistry.com, este ter sido dos primeiros M5 a sair de fábrica para todo o mundo e dos seis primeiros a serem registados em Portugal, com a panóplia de extras que tem, facilitou a ecsolha por parte do clube e do Museu do Caramulo.

Um M5 e uma bela vinha, o dia estava perfeito!

    Que orgulho! Ver algo nosso, em exposição no mais conceituado museu automóvel nacional, com visibilidade europeia e estatuto de clássico. Sem dúvida mais um marcante momento na vida quer do Frederico, quer do próprio M5. E é isso que sentimos ao pé deste BMW. A imponência das linhas, juntamente com a cor preta metalizada, carregada de pequenos flocos metálicos, permitem que a carroçaria deste BMW reflicta o cenário envolvente. E se o local já era especial, e o automóvel também, conhecer toda esta história deixa-nos completamente em extase e agradecidos por termos tido a oportunidade de juntar ao nosso portfólio este BMW M5 E34.

     Claro que uma voltinha era obrigatória e o interior é tão imponente quanto o exterior. A/C automático,volante de três braços com a assinatura M sistema rádio hi-fi com leitor de cd´s, telefone satélite e umas confortáveis poltronas criam o ambiente digno de um verdadeiro carro de luxo que ainda hoje se mantém com excelentes níveis de conforto e até segurança. Falamos de 1989, portanto, um carro com 28 anos de idade! Dar à chave, carregar em ponto morto no acelerador para ouvir as rotações subir acompanhados de um ronco fundo, quase gutural e que chega para fazer oscilar o automóvel é tão sedutor quanto entusiasmante e faz-nos ter vontade de pegar neste M5 e rumar à Serra da Arrábida, ali mesmo ao lado. O facto do motor de seis cilindros em linha não ter catalisador também ajuda à festa, certamente.

     Este E34 M5 era na altura do seu lançamento o sedan mais rápido do mundo. A versão que aqui mostramos, a 3.6 de 315 cv com caixa de 5 velocidades cumpria o trajecto dos 0 aos 100 km/h em apenas 6,3 segundos e a velocidade máxima era limitada aos 250 km/h, atingidos facilmente e que, voltando ao início do artigo, dava que fazer aos puros desportivos feitos na altura. Foi o último M5 construído à mão e o último a utilizar o motor de seis cilindros em linha atmosférico (que derivava do famoso M1 de competição). Mais tarde, em 1991 surgiu o 3.8  com 335 cv e caixa de 6 velocidades e um ano depois, surgiria a versão carrinha (a primeira carrinha M5).

     A versão 3.6 é caracterizada por alguns detalhes, sendo o mais evidente as jantes. Controversas na altura por dar uma aparência vintage e de se confundir com uns pneus de tela branca dos carros mais antigos, o que levou muitos dos proprietários a trocaram as jantes por outras (o que faz delas agora alvo de cobiça e difíceis de arranjar), as jantes apelidadas de Turbine ou M System I tinham como inspiração as famosas BBS Turbo Fans; tal como as BBS, estas jantes (bi-partidas e forjadas) são compostas por uma espécie de tampas com alhetas direccionais que ajudam a dissipar o calor gerado nas travagens e como tal, aumentar a eficácia da  mesma, utilizando a deslocação do ar como agente de arrefecimento. Na versão 3.8 utilizaram as M System II ou comumente conhecidas Throwing Stars, sendo as jantes exactamente iguais às do 3.6 mas com um centro diferente, o que altera o aspecto da jante.

   Com a tarde já longa e os cartões de memória cheios, não poderíamos estar mais satisfeitos. Não só pelo local em si, que não nos cansamos de referir e agradecer, em especial ao Frederico por nos ter aberto as portas e claro, ao staff e gerência da Bacalhôa Vinhos de Portugal por toda a disponibilidade e facilidade de acesso aos locais mais remotos da quinta; como também pelo excelente pedaço de história da Baviera que com 28 anos no activo, ganhou rapidamente um lugar de destaque no nosso top 10 de automóveis favoritos de sempre!