In Japan We Trust

     Recordar é viver. Há músicas com este título, existem livros que exploram esta ideia e filmes cuja história é basicamente isso, recordar para viver. Mas acima de tudo é uma verdade irrefutável. Vivemos no presente a especular pelo futuro mas a única certeza que temos sempre é a forma como recordamos o que já passou, o que fica nas nossas memórias. É o que fazemos, sessão após sessão, com o objectivo claro de trazer para o presente o que no passado não pode ficar. E como gostamos de o fazer, pontualmente fazemos concursos e giveaways para homenagear aquele meio de transporte que para aquela pessoa, é bem mais do que isso. E é ao fazermos este artigo que algumas das nossas memórias surgem. Podemos ser ainda relativamente novos de idade, mas sabemos apreciar um bom automóvel, mesmo quando este é substancialmente mais velho que nós!

      Foi no rescaldo dos anos 60 e com as famílias a preocuparem-se pela primeira vez com os consumos automóveis que alguns modelos, menos apelativos do ponto de vista da performance, começaram a sua marcha até ao sucesso. Mais do que andar depressa, quem queria comprar carro há cerca de 50 anos atrás olhava para a fiabilidade e para a economia principalmente pelo decréscimo da qualidade de vida na maioria dos países. Com a expansão do mercado automóvel a nível global, os modelos compactos nipónicos começaram a sobrepôr-se aos europeus e americanos, com as suas menores contas de mecânico e melhores garantias e apoios por parte das marcas.

      Em Portugal não foi excepção. Os Peugeot, Fiat e Renault conheceram os seus «inimigos» assim que foram lançados, e recordamo-nos, na nossa tenra infância, de ainda os ver a circular principalmente nas cidades do interior do país. Um de nós na AWP, alentejano de gema, recorda-se de ir a Évora, à Praça do Giraldo e junto às arcadas encontrar um bonito e imaculado Datsun 1200 a servir de taxi, certamente com uns milhares de quilómetros, e a funcionar como um relógio. Memórias que ficam porque existiu nesse momento, algo que nos fez gravar num chip na nossa mente, aquele mesmo Datsun 1200. Assim, foi com felicidade que vimos um Datsun 1200 vencer um dos nossos últimos concursos no Instagram e de imediato marcamos a sessão.

      E nem vamos falar do facto deste Datsun 1200 ser, provavelmente, um dos mais conhecidos do país por ser uma estrela nas redes sociais, pois pertence ao influencer «Just the Driver Club», que podem ver no TikTok e no Instagram, cujas contas deixamos aqui para irem espreitar. O facto de ser conhecido faz-nos aumentar a expectativa e claro, a responsabilidade no nosso trabalho. E essa responsabilidade nós levamos muito a sério e por isso vos trazemos um artigo dedicado ao Datsun 1200, que não sendo exemplar de museu, está num excelente estado de conservação. Aliás, sabem bem que somos fãs da ideia de que um automóvel é para usar e não para guardar e este pequeno japonês faz alguns quilómetros semanais, alguns desses celebrados nas redes sociais.

     O pequeno Datsun 1200 monta o famoso e robusto motor 1200cc de 68 cavalos cuja fiabilidade é algo que a nosso ver, devia ser objecto de estudo. Continua, ano após ano, a fazer quilómetros, bastando mudanças de óleo regulares e gestão mecânica simplificada. Apesar dos aparentes curtos 68 cavalos, é de recordar que com apenas 700 kg’s de peso e tracção traseira, o Datsun 1200 é ideal para se aprender a dominar a arte do drift a baixa velocidade. Aliás, os fãs de fazer rotundas de lado ou dar espetáculo em pequenos encontros (com as devidas precauções, obviamente) são grandes aficionados dos pequenos e compactos japoneses RWD. E não se deixem enganar pelo ar dócil e até familiar com espaço para 5 adultos e pneus estreitos, este 1200 tem diversão escrito em todos os centímetros quadrados da sua carroçaria.

       Combinamos a nossa sessão na Trafaria, localizada no extremo oriental do distrito de Almada. Terra de pescadores e de pessoas autênticas, pareceu-nos um local que serviria na perfeição como cenário para fotografar o «nosso» Datsun. E vos dizemos, aproveitámos ao máximo não só a disponibilidade do dono deste 1200 como as horas que tivemos e o espaço da pequena localidade. Começamos por um pequeno beco, com um barco de pescadores abandonado que traduz, sem margem para dúvidas, o estado em que está a arte xávega nacional. Pesca, agricultura, pecuária… o nosso país, rico em recursos que daria para nos auto-sustentar, está entregue a políticas economicistas, à industrialização estrangeira e o ínfimo que faz de nós Portugueses deixa, pouco a pouco, de marcar presença. Perdoem-nos o desabafo, mas envoltos em tanta nostalgia e ao recordar o dia da sessão, não conseguimos evitar.

       Passemos à frente, que este artigo deve servir para festejar um automóvel de grande importância para a história do veículo de quatro rodas e não para lamentos. De código interno B110, teve um irmão gémeo no Japão, o Nissan Sunny e conheceu versões de cinco portas, carrinhas e algumas com carácter mais desportivo. Houve ainda versões derivativas e algumas chegaram mesmo aos rallies regionais sendo bastante bem sucedidos. O «nosso» 1200 tem marcas de guerra, mas poucas acreditem. A patina cai-lhe tão bem que nos perdemos a fotografá-la. Aproveitamos uma zona mais abandonada com uns grafittis menos bem conseguidos (que nos entretemos a corrigir no Photoshop) para algumas fotos de corpo inteiro… depois ocupámos uma pequena ruela típica cujo ambiente fez lembrar os bairros de Lisboa e por fim, arriscamos na marginal junto ao areal que compõe a pequena praia urbana da Trafaria, junto ao cais dos barcos.

     E se resultou. E mais, foi uma bênção para os transeuntes, principalmente para os mais velhos que aproveitavam o final de tarde para passear pelas ruas da vila, verem um automóvel da sua época a ser admirado, retido em fotografia, apreciado por dois jovens. Enquanto mudávamos de localizações para as fotografias e viajamos a bordo do Datsun 1200 deu para tomar notas sobre o habitáculo. O espaço interior é algo que há muito tempo não temos noção de existir. Desprovido de qualquer luxo ou tecnologia, é aqui que sentimos a evolução e o que nos faz falta ter contacto com estes veículos clássicos. Todas as mordomias, luxos e «coisas» que nos dias de hoje damos como garantidos, fazem-nos pensar na forma como o automóvel tem crescido não só em tamanho como principalmente no grau de importância que tem para as famílias, para os aficionados, para nós. E será a tecnologia assim tão essencial para quem gosta de passar tempo atrás do volante?

       Este artigo é diferente. Foi diferente a forma como o escrevemos, como o sentimos. E queremos que seja assim. Ao invés da habitual análise, optámos por algo mais livre, mais espartano, tal como o «nosso» Datsun 1200. A forma com que se anda com este clássico japonês transmite-nos tranquilidade, serenidade e ao mesmo tempo orgulho. Principalmente por podermos fazer parte de mais um capítulo da história deste automóvel e por podermos adicioná-lo ao nosso portefólio, enriquecê-lo com um ícone dos anos 60, com uma peça histórica que trouxe uma nova forma de ver o meio de transporte focado para a família, para a eficiência de combustível e principalmente como peça importante no xadrez automobilístico mundial. É bom ver peças destas, bem mantidas e principalmente, bem utilizadas e celebradas.