Exige-nte

    Há quem tenha os seus carros para os admirar no silêncio das suas garagens. Há quem os tenha para exibir aos amigos ou para serem alvos das fotografias dos paparazzi de «trazer por casa». Depois há quem tenha os carros para os conduzir, para lhes dar uso, para viver a vida um pouco mais depressa. Continuamos em busca dessas pessoas, verdadeiros apaixonados pelos veículos que possuem, que para eles o conceito de automóvel é especial, único e verdadeiro. A All Wheels Photography orgulha-se de, nos últimos dois anos, ter encontrado imensos petrolheads que levam esta palavra de encontro à sua verdadeira essência e que utilizam os seus automóveis ora para ir às compras, ora para ir à pista.

Cru, simples, eficaz.

     Não defendemos marcas, até porque para nós, não existem melhores ou piores. Mas a Lotus teimava em escapar-nos, dia após dia, apesar de alguma procura pelo exemplar digno de figurar na nossa galeria de artigos. No entanto, e graças a contactos já antigos, bem antes da existência da AWP, conseguimos chegar ao bonito Exige que aqui vos mostramos que, conforme mostram as fotografias, é usado de acordo com as leis escritas no manual dos entusiastas automóveis.

    Agora que captámos a sua atenção, vamos lá enquadrar a situação. Ora, certo e sabido é que sempre que existe um trackday no Autódromo do Estoril, que há uma certa romaria ao local. O paddock é um verdadeiro oásis de máquinas, da mais mecânica à mais electrónica, do mais barato ao mais caro. Há realmente para todos os gostos e mesmo que não pisem o asfalto da pista, captam a atenção de quem por lá circula. E é nesse local que vamos encontrar o «nosso» canário, que parece estar «acanhado» no meio de alguns veículos de maior porte. Sim, o Exige é pequeno, compacto e leve, tal como um verdadeiro animal de pista, em que a agilidade é a palavra chave.

Raçudo e sujo, acabado de rolar em pista.

    Ora, dado que andámos pelo paddock e pela pista a registar em fotografia o fantástico desempenho deste Lotus, é natural que fiquemos com um pouco de ansiedade misturado com euforia, antes da sessão fotográfica propriamente dita. Queremos estar à altura do fantástico desempenho que o pequeno Exige tem em pista onde acompanhou veículos com valores comerciais bem acima do seu. Optámos por sair do autódromo para fazer as fotos e contra o que é habitual nas nossas sessões, escolhemos fotografar o carro «sujo», para provar o que já foi referido: usado e abusado, não só em pista como em serras e estradas sinuosas. 

   Claro que arranjar um local para este Lotus não foi tarefa fácil pois não se trata de um veículo propriamente sóbrio e comum, pelo que escolher uma localização mais «remota» era obrigatório. Depois, a componente desportiva e descomplicada deste Exige, que implicava um cenário simples, com poucas distrações, ameaçava complicar-nos o trabalho. Ainda assim, a pequena rua sem saída revelou-se perfeita, com contrastes otimizados pela baixa luz a incidir no amarelo salpicado pela borracha do Estoril.

   Agora que a envolvência está explicada, vamos ao que interessa. Apesar do historial mais curto que a maior parte dos fabricantes dedicados a veículos mais exclusivos e de carácter puramente desportivo, nos 65 anos de desenvolvimento da marca, a Lotus começou a sua luta a norte de Londres, tendo sido fundada por Colin Chapman e Colin Dare, sendo Chapman o grande responsável pelo desenvolvimento da marca ao longo das décadas de 60 e 70. No início do desenvolvimento da marca, em 1954, a Lotus dividiu-se em dois sectores, um dedicado à Fórmula 1 (presente até 1994) e outra dedicada mais exclusivamente a veículos de estrada. Anos mais tarde, em 1959, surge a Lotus Group of Companies, com dois ramos de intervenção, a Lotus Cars Limited (dedicada aos veículos de estrada) e a Lotus Components Limited (específica para apoio a veículos de competição de clientes particulares).

Todos os ângulos são interessantes para fotografar este Exige.

    Inicialmente a Lotus apostou nos kit cars, veículos vendidos às peças, com preços mais baixos (obviamente, dado que não é cobrada a mão-de-obra da montagem) até ao início da década de 70, altura em que surge o Lotus Elan Plus Two, o primeiro Lotus vendido como carro, juntamente com o Lotus Eclat e o Elite. A Lotus apostou desde cedo na fibra de vidro para as carroçarias, assinando desde logo a sua marca de automóveis leves.

    Algumas mudanças de fábrica e várias peripécias volvidas, a Lotus começou a investir em parcerias e desenvolvimento de automóveis com partilha de equipamentos. A primeira a confiar na marca inglesa foi a Ford, com o Lotus Cortina, tradicionalmente pintado de branco com as riscas verdes nas laterais. Depois foi a vez da Caterham com a posterior venda dos direitos de produção do Lotus Seven (o monolugar super-leve que esteve em produção perto de 20 anos). Foi já na década de 70 que a Lotus conheceu os números de venda que Chapman tanto procurava, com o Esprit, modelo de motor transverso, central com bastantes inovações técnicas e opções de motor, sendo o mais desejado o V8. Virando a década, mais uma parceria, desta vez com a Vauxhall na produção do Lotus Carlton, um derivado do popular Omega, tornando-se um dos Vauxhall / Opel mais rápido de sempre.

     Desde a década de 80 até ao início dos anos 90, a marca enfrentou alguns problemas financeiros que conseguiram ser encurtados com o aparecimento do Elise que conheceu inúmeras derivações, versões e evoluções, das quais este Exige, versão fechada e aperfeiçoada do pequeno Elise. E voltando a este Exige, damos por nós sentados no passeio a admirar a simplicidade da estética da carroçaria, onde a fibra de vidro e o carbono são os actores principais. Lembrem-se, leveza é a base para a agilidade deste desportivo, para a qual também ajuda a colocação do motor transverso central, contribuindo para uma distribuição de peso perto do ideal.

    Depois de admirar as curvas sedutoras deste Lotus, aproximamo-nos do mesmo para estudar os melhores ângulos e detalhes. E rapidamente nos apercebemos que este Lotus não prima pelos pormenores que estamos habituados. Não há cromados, grelhas de embelezamento, frisos ou emblemas desnecessários. Até neste campo, o Exige é poupado, pois a maioria dos emblemas é substituído por vinyl (apenas os emblemas da marca britânica são relevo e detalhados). As grelhas da frente em rede preta dá o destaque ao pequeno desportivo, dando a ilusão de um grande sorriso. Os faróis com máscara preta, colocados nas extremidades da frente assinam a estética e conferem um aspecto incisivo de quem está cheio de vontade de «comer» umas curvas!

Pequenas e leves, as jantes do Exige são muito resistentes.
Essencial para manter a traseira minimamente controlada.

    E se esse aspecto devorador é visível na frente, na lateral mantém-se. O habitáculo recuado é a peça central quando se vê o perfil do Exige. Tem também destaque a entrada de ar generosa junto à cava traseira e o imenso spoiler de apoio aerodinâmico na traseira. E sim, a traseira é aquela porção deste Lotus que dispensa apresentações. O já referido e vistoso spoiler compõe o ramalhete desportivo e casa na perfeição com o generoso difusor que oculta a dupla saída de escape que, curiosamente, aponta para baixo. A curta distância entre eixos é um excelente aliado ao baixo peso e com um motor que apesar de «apenas» 190 cavalos nesta versão, mostram-se mais que suficientes para animar quem vai a bordo. Curva após curva, todo o conjunto mostra uma enorme agilidade, facilidade de condução e uma capacidade fantástica de tornar qualquer estrada numa verdadeira pista.

    Já que falámos de motor, o 1.800cc de origem Toyota/Yamaha produz os tais 190 cavalos, mas que podem ser espremidos para tornar a experiência de condução quase viral (no bom sentido). Este Exige foi adquirido em Itália (imaginem a viagem de retorno a Portugal ao volante deste pequeno Exige…) na PB Racing (conceituada marca preparadora da marca inglesa na famosa Lotus Cup) e já trazia algumas melhorias mecânicas, com a indução melhorada e decat; mais tarde foi também trocada a bomba de água e feitos ajustes aerodinâmicos e no sector de ligação ao solo, com o ajuste de camber recorrendo a chapas ajustadoras (ao invés das camber plates mais comuns).

    No interior, mais do mesmo. Peso aqui não é benvindo! Todo o carro é despido de forras e tapetes, vendo-se a nú a carroçaria, o metal e o carbono misturado com a fibra de vidro e com a alcântara das baquets e do tablier transportam-nos para os anos 60 e para os habitáculos espartanos e simplistas dos Porsches de LeMans. Não há lugar a vidros eléctricos ou a sistemas de navegação e até o rádio é um extra mas verdade seja dita, não são precisos luxos quando estamos concentrados em conduzir velozmente. O quadrante simples, de leitura fácil e sem símbolos «modernos» facilita o acto de levar o automóvel do ponto A para B mas torna-se ainda mais importante a sua simplicidade em pista. Curiosidade: as manetes dos piscas/luzes e dos pára-brisas mantém-se desde a parceria com a Vauxhall / Opel, pelo que se encontrar igual no seu Opel Corsa B, não estranhe!

    Do que conhecemos do dono deste Lotus e da forma como o carro se comporta em pista, rapidamente percebemos que o único foco de interesse em redor deste «amarelo» é a diversão ao volante. Mas não é uma diversão qualquer! Mesmo a feijões, gostamos sempre de ganhar certo? Ora então, é normal que a eficácia em pista ande de mãos dadas com a alegria de o conduzir e é isso mesmo que nos conta o habitual piloto deste Exige. E não poderíamos concordar mais…

    Terminado o longo dia (pista, fotos, conversas…) despedimo-nos já com o sol atrás do Autódromo e não podemos esquecer a frase proferida pelo dono do Lotus: “Eu amo o que o Lotus me transmite e ponto final!”. Nós também!