Emoção racional ou razão emocional?

      A chegada de um ícone à estradas causa muita excitação nos grupos automóveis nas redes sociais, nas conversas em encontros e até nas notícias online onde se multiplicam as teorias, as apostas sobre que carro será mais rápido e claro, a eficiência deste novo modelo. A questão torna-se mais séria quando se trata de um nome que além de icónico, tem uma grande responsabilidade em manter a boa imagem do seu antecessor. E com as fotografias que já foram vendo até estas palavras já perceberam que o ícone aqui é o Toyota Supra. E confessamos já aqui, à descarada, que contávamos os dias até podermos ter nas mãos tão importante automóvel.

    Imensos Youtubers e influencers já tinham conduzido e «testado» o novo Supra, de código interno A90, tanto que apanhar um de imprensa (o que já todos vocês viram em vídeos, instastories, fotos desfocadas do facebook) foi impossível. Mas honestamente, esperar é bom em muitos casos e neste não foi excepção, ao podermos passar metade de um dia com ele. Mas antes de avançarmos, temos de deixar já o agradecimento a um grande amigo, o João Santos, que além de nos confiar os seus automóveis para artigos (já fotografamos os seus dois Civic Type R FK8 e o Swift Sport – artigo em breve), pensou em nós quando recebeu da Toyota este A90. Rapidamente nos enviou uma mensagem e em 15 minutos estávamos combinados para uma manha e início de tarde cheios de adrenalina.

A dúvida acompanhou-nos todo o dia...

     Sentimos necessidade de abrir aqui uma espécie de parêntesis para explicar um pouco o título. O João tem, do ponto de vista automóvel, dois amores. E não tem espaço para um terceiro, mas este Supra teima em roubar-lhe um espaço na garagem e a questão que efetivamente se coloca é: pode o Supra ser «melhor» que o Civic Type R? Não fazemos a pergunta de animo leve, até porque teoricamente os dois carros não são comparáveis por não serem do mesmo segmento, mas é a questão que o João tinha para responder e teve dois dias para conhecer o Supra e poder tomar uma decisão. E será que este nosso artigo o ajudou? A bordo e ao volante do A90, as nossas dúvidas só aumentaram… restava por a equação «razão» em cima da mesa. Mas poderemos nós chamar racional à opção de um destes dois modelos? Ambos desportivos, ambos potentes, ambos pouco económicos?

      O Supra que aqui vos mostramos é a quinta geração de um nome que tem tanto de famoso como de importante para a indústria automóvel e até cinematográfica, principalmente na saga Velocidade Furiosa. 30 anos depois do nascimento do A80, a geração que imortalizou o nome Supra, este A90 surge do fruto da parceria entre a Toyota e a BMW, onde o conhecimento nipónico se uniu à eficiência alemã para construírem o Supra e o Z4, ambos diferentes na sua raíz estética mas iguais na sua produção (até a linha de montagem austríaca partilham). Com esta união, o mundo petrolhead entrou em cisão e ainda hoje, ao mesmo tempo que escrevemos este artigo, existem trocas de ideias sobre a opção da Toyota em deixar que o icónico Supra fosse produzido pela BMW. Honestamente, este é daqueles casos que sem conhecimento de causa, isto é, sem conduzir o novo Supra, não se pode falar. Fanatismos aqui são rapidamente dissolvidos pela eficiência do A90.

     E já que falamos na sua condução e dinamismo, entremos nesse detalhe. São 340 cavalos (no papel, houve modelos que em banco acusaram mais 30 e 40 cavalos) extraídos do motor de 3 litros e 6 cilindros em linha BMW que em modelos da marca da hélice são tão aclamados mas que aqui, por estar escondido sobre um capot longo e com emblema Toyota, aparentemente passa de bestial a besta. Não! O desempenho dele é fantástico e a boa caixa automática ZF de 8 velocidades dá conta do recado e claramente gosta de ser conduzida em altas, especialmente no modo Sport. Já no modo mais confortável, mostra hesitação mas não incomoda honestamente. Em altas o som do motor e escape é viciante e faz-nos andar sempre no limite e apesar deste A90 ter praticamente a mesma potência do A80, a forma como neste essa potência é entregue é brilhante e vicia de tal forma que não conseguimos, mesmo no trânsito, passar o modo de condução para o normal. Depois de sairmos do trânsito da zona do Estoril fomos até à estrada da Lagoa Azul e aí sim, este Supra solta-se e revela o seu potencial, nunca perdendo a compostura, mesmo quando conduzido no limite. As saídas de curva são controladas, fruto dos fantásticos Michelin aqui montados e permitem ainda mais confiança ao condutor. Mas… vejam o vídeo do pessoal da Razão Automóvel e tirem as vossas conclusões.

Sim gostamos muito da traseira do Supra.

     Escrevemos o anterior parágrafo com umas palpitações. Sim, já passaram uns dias desde que o conduzimos e ainda hoje, apenas o lembrar da emoção que foi ao volante provoca um arrepiar da pele e um bater de coração mais forte. As memórias estão frescas e escrever este texto hoje ou daqui a um ano seria igual. Mas sigamos em frente. Do ponto de vista estético não há muito a apontar a este novo Supra. É emblemático, chama a atenção e é vistoso. Não é difícil em parte devido à cor vermelha que chama à atenção no meio do trânsito cinzento mas antes de o verem, já o ouvem pois o escape duplo com um som bastante metálico e tipicamente japonês (sim, aqui a Toyota não deixou que os créditos ficassem entregues à BMW) e atribuiu ao Supra um cantar inesquecível. A frente acutilante, afunilada e com massivas entradas de ar é o cartão de visita para o restante. Apesar disso, são várias as fake vents um pouco por todo o carro, o que a nosso ver descredibiliza a importância da aerodinâmica neste Toyota GR.

     O longo capot dá lugar aos guarda-lamas quebrados a meio, ao nível da roda e enviam-nos o olhar para as curvas das embaladeiras e da que vem dessa zona e sobe até à «anca» (mas não olhem muito para a «entrada-de-ar» que ali está, que de entrada não tem nada…); As jantes de 19 polegadas mais largas na traseira acrescenta emoção a este conjunto e o facto de terem duas cores e um acabamento satin contrastante com o cromado acrescentam elegância ao pacote final. E se a frente é o cartão de visita, a silhueta deste Supra é a melhor forma de o caracterizar, dado que cumpre na perfeição todos os itens numa lista de como um desportivo deve parecer: longo capot, linhas esculpidas pelo túnel de vento, rodas nos cantos e traseira curta mas proeminente e claro, as tais «ancas» bem salientes.

       Mas a parte mais fotogénica deste A90 é, sem dúvida a traseira, onde os designers da Toyota se esmeraram e gastaram grande parte do seu tempo. O afunilar das cavas para a tampa da mala, que tem embutido uma espécie de duck tail acentua os ângulos deste Supra, com os farolins em led a assumirem uma posição importante no aspecto final desta zona. Os rasgos que vem desses farolins (saídos face à carroçaria) vão de encontro às zonas laterais do difusor que conta com dupla saída de escape (a tal responsável pelo ecoar do 6 cilindros em linha) e tem algo que tanto gostamos de ver: no centro do difusor temos a luz de marcha atrás e o farolim de nevoeiro ao estilo dos carros de F1 e que já vimos na Ferrari, por exemplo. Um deleite que a Toyota meteu para não nos esquecermos da sua incursão pela disciplina máxima do desporto automóvel.

       A zona do Guincho e de Sintra é, por si só, rica em beleza de paisagens e boas estradas para conduzir. As nossas fotografias começaram no interior do Guincho e terminaram já na zona de Albarraque com o Civic do João. Pelo caminho ficaram algumas dezenas de quilómetros feitos com o pé direito bem animado. Acompanhamos motas na estrada do Guincho, divertimo-nos na estrada da Lagoa Azul, atraímos multidões na zona de Albarraque e Cascais e claro, pudémos sentir bem o interior deste Supra. E sentir é uma boa palavra para descrever este parágrafo, dado que é uma zona mais sensível para os tais puristas, dado que aqui o ambiente BMW é óbvio. Não fosse o emblema Toyota no volante e diríamos que estávamos a bordo do Z4 por exemplo. O tablier é decalcado de lá, em especial o ecrã do sistema infotaiment e o sistema que o comanda, na consola central. Também a manete da caixa ZF e os diversos botões foram «roubados» da BMW. Basicamente temos um desportivo japonês com o interior refinado alemão. Mais uma vez, isto é mau?

      Das poucas coisas que temos de criticar é a descontinuidade do carbono na parte superior da consola central (termina abruptamente) e o espaço para a cabeça, em especial no lugar do condutor sendo que nós com 1,75m andamos confortáveis mas com mais 5 ou 6 cms de altura a coisa pode complicar-se, especialmente se houver incursões em pista, onde é mandatório o uso de capacete. A ausência de bancos traseiros e de divisória entre a bagageira e a zona do habitáculo é outro detalhe menos bem conseguido, se bem que os bancos ali seriam difíceis de colocar pelo formato do tejadilho, com duas «bossas» laterais para ajudar a acomodar os ocupantes. Os bancos têm bastante apoio mas falta aquela extensão de pernas à la BMW que ajudaria em viagens maiores e por fim, é quente. Sim, a bordo deste Supra frio não passámos, mesmo quando o carro estava desligado. O 6 cilindros atua como uma «fornalha» e mesmo em ritmos mais calmos transmite o calor para o interior que, sendo inteiramente em pele, não permite arrefecer o corpo. Nem queremos imaginar no verão, acho que o AC bizona não será suficiente…

       De corpo largo, capot afiado, óticas grandes e distância curta entre eixos, este Supra afigura-se como um dos históricos; daqueles automóveis que antes de o serem, já são ícones quer pela importância que lhes é atribuída pelo nome que carregam, quer pelo setor e segmento que ocupam. Mas será isso o suficiente para ocupar o lugar numa garagem onde habita um dos mais importantes Type R que a marca Honda lançou nos últimos anos? Ao contrário dos outros ensaios e reportagens que viram sobre o A90, este artigo visa mostrar o dia com este Supra, numa vertente mais de ensaio para o dia-a-dia do que para trabalho digamos jornalístico. O João testou este Supra pois tencionava conhecê-lo para ver se valia a pena trocar o seu Civic Type R FK8 (edição Tiago Monteiro) pelo novo Supra.

     Com os dois lado a lado, já na fase final deste nosso artigo, o João fica dividido. O Civic é mais versátil, senta cinco pessoas confortavelmente (não esquecer que este Type R já foi e veio a Nürbürgring, andou lá a ser conduzido de forma bem agressiva e voltou), tem bagageira para utilização familiar, é confortável e quando necessário não se nega a fazer a vida negra a desportivos bem mais potentes e com price tag bem superior. Sem esquecer do facto que se trata de uma edição limitada a 18 unidades para o mercado português e que tem uma estética que não sendo consensual, acaba por ser uma lufada de ar fresco no mercado automóvel.

     Mas o Supra não é mau, longe disso. Em termos globais, é um excelente automóvel. É cativante de conduzir, é charmoso de olhar, é sensual de ter na garagem. Da beleza das linhas ao motor envolvente, passando pela dinâmica apurada e pelo som que emite, é difícil dizer algo que nos faça recusar logo o A90. É um ótimo estradista e uma excelente forma de se gastar 100€ em gasolina num dia, sem sombra de dúvida mas é tão bom carro quanto o Civic? Honestamente não sabemos. Não conseguimos dar-vos uma resposta certa. Por vezes não há respostas certas, apenas questões difíceis de responder ou melhor, questões cujas respostas têm de ser dadas por quem conduz um e outro e tal como dissemos ao João quando nos despedimos dele: «O melhor mesmo é aumentares a garagem!».